Nasci, criei-me e vivi num mundo
pobre, de fomes, de guerras e grandes diferenças, mas também de esperança, de
sonhos e avanços espectaculares. Até há uns dez anos sentia-me bem nele, ainda
sonhava, mantinha a ilusão de que à minha maneira e nos limites do que era capaz, contribuíra para justificar o
ter vindo ao mundo: criei filhos, escrevi livros, plantei árvores.
Agora, todavia, a poucos meses
de fazer noventa anos e na certeza de que a morte não demorará, olho com melancolia
para o passado, porque este presente parece querer negar tudo o que foi sonho,
destruir o que pareceu valioso, substituir a precisão de liberdade por todo um
sistema arbitrário e refinado de censuras, ukases, proibições, imposições, mandamentos,
justificando-se como todas as ditaduras e todas as tiranias com o argumento do
bem comum, da felicidade universal, e a conhecida promessa de um futuro com o
sol a brilhar para todos.
E assim o verde, que era a cor
da alegria e da esperança, se mudou no vermelho do passado: a cor da repressão,
do extermínio dos opositores, do Gulag, dos campos de concentração. É agora a bandeira da sociedade que se anuncia: dividida
em bons e maus, os que seguem e os que se opõem, todos espiados e controlados
por um governo que tudo pode, em tudo manda, tudo determina.
De modo que sei que não vou
morrer em paz, porque mesmo que haja uma vida eterna levarei comigo a pena de
que por muito tempo, quem sabe se para sempre, em vez de sonhos e esperanças, o
mundo que deixo será um de medos e imposições.