sábado, agosto 31

Então agora é assim?

Seja em Tóquio, Florença, Arco de Baúlhe, Pamplona, num oásis do Saara ou Madagáscar, a generalidade das pessoas vive sob um constante bombardeamento de noticiários, o que directa e indirectamente influi nas suas emoções, no seu comportamento, na maneira como se relacionam, e as leva a ter opinião sobre o que acontece no mundo, seja ele uma crise política, um escândalo financeiro, um casamento real, a morte de uma celebridade, e assim por diante. Mesmo os distraídos não escapam a essa universal influência, mas de um caso sei eu do qual se pode dizer que é das muito raras excepções à regra.
Duas vezes casado, outras tantas divorciado, com uma vaga ideia do que fazem os filhos e quantos são os netos, o Teófilo Quadrazais, este ano a findar os cinquenta, tem desde que se conhece um único interesse que de facto é também a sua paixão: o comércio de areias e cascalho.Não lhe falem de políticas, guerras, incêndios, da carestia, da tragédia de Fulano ou da doença de Sicrano, porque não é de cortesias nem se dá ao trabalho das aparências, simplesmente encolhe os ombros ou vira as costas, a significar que para ele o assunto não aquenta nem arrefenta.
Todavia, mesmo um monomaníaco indiferente ao mundo e obcecado pelo negócio não escapa às travessuras do Destino, foi assim que semanas atrás, enquanto no café  esperava o  empreiteiro, abriu distraidamente o jornal, caíram-lhe os olhos na notícia de que um cantor está a ser acusado de há trinta ou quarenta anos ter deixado escorregar as mãos numa e noutra parte de certas damas, tê-las empurrado para a cama e aí fazer o que os humanos fazem desde Adão e Eva.
- Quarenta anos? As gajas estiveram esse tempo todo à espera para se queixar?
Mostrava o jornal para que os outros também se espantassem, mas desinteressados eles nem sequer olhavam, o Pires do Millennium na mesa ao lado é que o repreendeu, era no que dava estar sempre enterrado na pedreira. Então não sabia que elas cada vez ganham mais poder e nos tribunais lhes dão sempre razão?
Resmungou que sim, claro que sabia que as mulheres agora fazem logo queixa e é preciso  cautela, já não se pode dar um empurrão ou um par de bofetadas. Mas casos de há quarenta anos!
- Que raio querem as velhotas? Que ele lhes pague os três vinténs?
O Simões acenou-lhe que acalmasse, e ele próprio, chegando a cadeira mais perto, baixou a voz: - Isto hoje, amigo, não há que confiar. Eu no banco nem sorrisos nem cumprimentos, é só bom-dia boa-tarde e que se … Estás a compreender?