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Esta tarde fui ao centro de Amesterdão, onde ainda não tinha
estado desde Março. Curiosa descoberta a de me sentir deslocado na cidade onde
vivo há sessenta e três anos, e onde agora os nativos talvez ainda o não sejam,
mas parecem uma minoria. Aguentei uma hora e pouco e dei meia volta.
Um turismo assim é caso sério, torna actual um texto que
escrevi nos anos oitenta e está incluído em Mazagran.
Por vezes penso que ainda há esperança e
que o bom senso levará a melhor. Mas ao ler que este ano, em torno de mundo, mais
de 600 milhões de turistas terão atravessado as fronteiras e
ido de praia para museu, de catedral para ruínas romanas, de parque de campismo
para parque de atracções, de porto típico para gruta pré-histórica, mergulho em
desalento.
Perseguem-me
as imagens que todos conhecemos dos monstruosos ajuntamentos. Meio milhão de
corpos numa praia, meio milhão ou mais na seguinte. Filas de automóveis com
dezenas de quilómetros. Os onze milhões de basbaques que anualmente passam as
portas da catedral de Notre Dame em Paris. Onze milhões! Para ir ver e dizer
que viram. Para poderem escrever para casa
o postal com as palavras imortais: «Esplêndidas férias. Vamos bem».
Mas
Notre Dame e milhares de outros monumentos, reservas naturais, praias e
florestas, não vão bem. Por toda a parte são visíveis os estragos que lhes
causa a desenfreada «admiração» do turista. As estátuas enegrecem de ser
tocadas por dezenas de milhares de mãos gordurosas, soalhos históricos cedem
sob o peso das massas de gente, as praias tomam a desolação de lixeiras,
vitrais e pinturas sofrem com o suor condensado de milhões de corpos.
Provavelmente, os mesmos milhões
que se julgam conscientes da necessidade de melhorar o meio ambiente, da
urgência de salvar as espécies raras da fauna, e manter límpida a água dos rios
e dos mares.
Contudo,
nenhuma força contrariará o instinto poderoso de rebanho que os leva a procurar
na Costa Brava o mesmo sol que brilha nos seus quintais. Nenhum sermão os convencerá
de que o seu comportamento não é o dos indivíduos que eles próprios julgam ser,
mas o de eternos carneiros, tão
dóceis que nem sequer precisam de pastor: vão porque os outros vão ou porque os
outros foram.
Nessa
ânsia de movimento e imitação, de ver e palpar, pela simples força do seu
número conseguem destruir o que tinha resistido aos séculos. O granito das
escadarias romanas quebra, o mármore dos templos gregos esboroa-se, as estátuas
da Renascença vêem o seu bronze corroído. Tão inconscientemente perigosos se
tornam, que já ouvi aldeãos dizer, «Vêm aí os turistas», no mesmo tom
preocupado com que falam das pragas que lhes ameaçam as colheitas.
Felizmente,
ainda nem tudo está perdido. Pelo menos na Itália – a Itália de quem sempre se
diz que é desleixada, que não sabe cuidar – as autoridades tomaram a sábia
medida de pôr a bom recato as obras de arte mais frágeis, substituindo-as por
réplicas. Os Franceses fizeram o mesmo com as grutas de
Lascaux, cujas pinturas rupestres conseguiram sobreviver 17 000 anos, mas por
pouco escaparam à curiosidade dos basbaques.
Para
eles, que nada respeitam e com tudo se contentam, foi criada a ilusão de
Lascaux II. E acorrem de longe às dezenas de milhares nos seus uniformes de
veraneante, a máquina fotográfica a pendular sobre a barriga, o vídeo a
tiracolo, a mulher e a filharada a reboque, para nas grutas, nas praças e nas
igrejas se embasbacarem diante do pechisbeque.
Quando
li essas boas notícias, tomou-me um sentimento metade malícia, metade tristeza.
Eu sei que nada exterminará o turista: ele procria, associa-se, faz prosélitos.
Oiço dizer que os 600 milhões deste ano serão 750 milhões em 2000. Os próprios governos
aliciam-no para que viaje mais e mais. Porque viajando deixa lucro. (Os danos causados? Quem viver que cuide.) A indústria e o
comércio enfeitiçam-no com folhetos sobre paragens exóticas, onde o sol brilha
em permanência e todos os dias são de festa. Onde o mar é sempre calmo, o
bosque sempre verde, o amor e a amizade sempre à mão. E ele, crente, só sonha
em partir.
Por
isso não há esperança, o que entristece. Mas há um prazer malicioso em imaginar
o turista, macaqueador por excelência, caminhando em massa para os museus de
réplicas num mundo de pacotilha.