sábado, agosto 24

Há medos e medos


Na juventude tudo são certezas, na meia idade ainda se consegue manter algum optimismo, mas com o passar dos anos a única e irremediável segurança é a do fim próximo, expectativa que para quase todos vem acompanhada do grande medo do que acontecerá depois. Mesmo os que acreditam na vida eterna têm horas em que se lhes aperta o coração, não vá dar-se o caso de que o juiz que os espera não aprecie desculpas ou seja pouco inclinado a aceitar atenuantes.
O Teotónio Pimenta, coronel reformado, veterano das campanhas do Líbano e dos Balcãs, costuma dizer que já na vida sentiu tanto medo que julgava que mais nada o pudesse assustar, mas confessa francamente que o medo das balas e dos bombardeamentos é de uma ordem que não se compara ao dos perigos que actualmente corremos no dia-a-dia. Garante ele que estes poderão ser menos dramáticos no efeito imediato, mas venenosos nas consequências e mais desgastantes a longo prazo.
Aponta o Teotónio para a nossa dependência do que chama engenhocas, que podem ser muito úteis, e certamente são – os computadores, a internet, os telemóveis, toda essa aparelhagem – mas ao mesmo tempo que asseguram facilitar-nos a vida, abrem brechas na nossa intimidade e na nossa algibeira de um modo que no bom tempo só era acessível às secretas e aos carteiristas.
- Claro que é fácil pagar com o cartão. Na aparência é, fazemos de conta que não nos  preocupa mantê-lo em lugar seguro, que é simples memorizar o PIN, que não cansa o termos de estar sempre alerta, não vá o sujeito ao lado bifar-nos o cartão e o dinheiro.
São tudo grandes avanços, não há dúvida e serei o último a negá-lo, mas como se diz que não há bela sem senão, eu também gostaria que se deitassem menos foguetes e se apontasse mais para as falhas. Mas pelos jeitos isso vai contra o espírito do tempo, pois se é moderno forçosamente é bom, quem se queixa só pode ser velhote ou bota-de-elástico.
E depois isso que dizem que vem aí, a tal internet das coisas! Pode ser que ande mesmo atrasado, mas gostaria que me explicassem se tem jeito telefonar ao frigorífico para saber se ainda lá está o que lá pus, ou se não é de maluquinho mandar uma app ao cortinado, em vez de o abrir com as mãos que Deus me deu. Que achas?
Sorrio, encolho os ombros, não lhe vou dar o gosto de que também assim penso, menos ainda confessar que de tal modo me atrasei que o meu caso já não é só de medo, antes fosse, mas também de vergonha: a dos que antigamente pediam ajuda por não saberem ler nem escrever.