Ele próprio confessa que é tara,
maluquice de adolescente, uma infantilidade a que a própria mulher encolhe os
ombros, dizendo que sempre foi assim desde que o conhece e não vê mal naquilo
nem tem razões para duvidar da sua fidelidade.
Como daí não vem prejuízo nem
ameaça à paz doméstica, perdoa-lhe a maluquice de que vendo na rua um par de
pernas que se aproxime do que considera o seu ideal de beleza, saca do
telemóvel, fotografa discretamente umas quantas vezes, junta esse par de pernas
à sua colecção, e o que tem de tempo livre gasta-o a comparar e a maravilhar-se
com tanta beleza, numa idolatria infantil, nunca lhe ocorrendo um desejo ou
pensamento erótico.
Pelo menos assim era até que há
coisa de dois meses a fotografia num anúncio subitamente o transtornou, conta
que nas situações mais inesperadas o seu pensamento retorna à imagem daquele
par de pernas e, verdadeira obsessão, não só a guarda no telemóvel, imprimiu-a
em formato postal e trá-la na carteira como fazia antigamente com os retratos
das namoradas.
Diz que a mulher começa a não
achar graça, desconfiada de que o seu comportamento seja menos inocente do que quer fazer crer, e
talvez não se trate apenas de uma fotografia.
- Razão tem ela – confessa - porque
se um dia encontro este par de pernas, sei que não resisto.