quinta-feira, agosto 22

Bilhetes (73)

Ele próprio confessa que é tara, maluquice de adolescente, uma infantilidade a que a própria mulher encolhe os ombros, dizendo que sempre foi assim desde que o conhece e não vê mal naquilo nem tem razões para duvidar da sua fidelidade.
Como daí não vem prejuízo nem ameaça à paz doméstica, perdoa-lhe a maluquice de que vendo na rua um par de pernas que se aproxime do que considera o seu ideal de beleza, saca do telemóvel, fotografa discretamente umas quantas vezes, junta esse par de pernas à sua colecção, e o que tem de tempo livre gasta-o a comparar e a maravilhar-se com tanta beleza, numa idolatria infantil, nunca lhe ocorrendo um desejo ou pensamento erótico.
Pelo menos assim era até que há coisa de dois meses a fotografia num anúncio subitamente o transtornou, conta que nas situações mais inesperadas o seu pensamento retorna à imagem daquele par de pernas e, verdadeira obsessão, não só a guarda no telemóvel, imprimiu-a em formato postal e trá-la na carteira como fazia antigamente com os retratos das namoradas.
Diz que a mulher começa a não achar graça, desconfiada de que o seu comportamento seja  menos inocente do que quer fazer crer, e talvez não se trate apenas de uma fotografia.
- Razão tem ela – confessa - porque se um dia encontro este par de pernas, sei que não resisto.