Estive ontem numa repartição e vi os anos 40. Tentarei ser fiel no testemunho. Subi umas escadas de cantaria, largas, conventuais e segui por um corredor, ele também conventual na largura, no chão de pedra, no eco das passadas.
Por duas vezes bati na grande porta de castanho. Resposta nenhuma, mas como estou a ficar surdo talvez tivessem gritado um "Entre!". Empurrei com cautela. Sala enorme. Vinte e tal metros de comprido, dez de largo, janelas de catedral. Lá dentro parei para acreditar no vazio e na cena. Sentados um atrás do outro, dois funcionários, ambos nos vinte e pouco, fato, gravata, imóveis como estátuas defronte do computador, desinteressados do estranho ou proibidos de notar quem entra.
Ao fundo, um cubículo de madeira e paredes de vidro. Uma secretária, um computador, um telefone dos antigos, uma cinquentona magra escrevia num envelope e só me encarou quando lhe dei as boas-tardes.
Tirou os óculos, mediu com lentidão a modéstia da minha estatura e, com a voz seca que tinha o sargento no meu tempo de recruta, disse, espaçando as palavras:
- Estamos fechados. Ainda não é hora de expediente.
Olhei cautelosamente o relógio, faltavam três para as duas. Assaltado por medos longínquos quase me vi a pedir desculpa e a sair às arrecuas, mas lá me recompus e virei-lhe as costas. Claro que ao mesmo tempo, bufando e resmungando, a mandei...