Pelo calendário corrente fiz oitenta anos no sábado, mas nem eu pranteei nem os céus trovejaram, e o dia passou como a maioria deles passa: corriqueiro e calmo.
Se o corpo ou o intelecto funcionassem mal, se a minha alma andasse desvairada, se um drama ou a miséria me ameaçassem, teria razões de queixa. Como nada disso acontece, só tenho motivos de inquietação: o de ignorar donde venho e de por vezes não saber quem sou, o dar-me conta de como o tempo de uma vida é um instante irrisório, a incerteza do que será o meu destino, o mistério do que fica para lá do fim.
Sinto-me também um pouco como o passageiro que tomou o comboio errado e, embora ache curioso o percurso, interessante a paisagem, se pergunta que comprimento terá ainda a linha e que surpresas o esperam na estação terminus.