domingo, maio 29

Uma ponta de juízo

 

Quem tem uma ponta de juízo não se mete em zaragatas, evita desafios, passa de largo, foge de contendas como o diabo da cruz, que assim poupa dinheiro, tem paz e sossego.

Essa ponta já ao Matias faltava quando era novo, mas tinha então uma corpulência de Golias, musculatura idem, para resolver conflitos bastava-lhe ameaçar. Sobre os que acabavam a murro e pontapé havia um historial de dentes partidos, caras amarfanhadas, braços desengonçados, o olho cego do “Bem te digo” prova de que nalgumas ocasiões desvairava.

Com a idade tem vindo a encolher, do corpo gigante resta menos de metade, essa só pele e osso, como se a natureza, arrependida do excesso que tinha criado, exagere agora no avesso. E juízo continua sem ponta dele, mas se perdeu a força dos bíceps ganhou a do dinheiro, pois como nos contos de fadas, a herança de um parente na Venezuela fê-lo saltar da necessidade para a abastança. Desde esse abençoado momento, ai dos que se põem de través, pois lhe importa menos ganhar ou perder, do que o gozo de afligir, obrigá-los a gastar rios de dinheiro, vê-los em tremuras quando a sua advogada, a doutora Cláudia, os põe entre a espada e a parede.

Manhosa e de maus fígados, consta dessa que bate no marido e o enfeita com galhos quando daí lhe vem proveito. Contudo, o que a sabida nem por sombras esperaria, era encontrar no Matias fôrma para o seu pé, pois embora lhe conhecesse a reputação antiga, julgava que do lingrinhas que ele agora era nada havia a temer.

O cálculo saiu-lhe errado. Ficou sem ar quando ele, fingindo não ver a factura que lhe estendia, disse que como já o tinha sangrado demais, esta não pagava. E de futuro só metade. Ou nada.

O sorriso de descrença ainda lhe franziu os lábios, mas parou com a entrada do Chico “Porrete”, sobrinho, versão do Matias jovem e zero de entendimento.