Na opinião da maioria não há palavras que cheguem para elogiar o talento da Amélia para a pastelaria e compotas. Aquilo é queda, talento nato ou de geração espontânea, não lhe vem porque tenha aprendido, pois os quatro anos de França passou-os a montar bicicletas. Menos ainda da mãe ou da tia-madrinha, viúvas resmungonas mas magarefes de alto lá!, desinteressadas do que não tenha a ver com o talho da família e sem paciência para criquices. Matar, esfolar, cortar, é com elas, agora disso de massas e geleias não querem saber, de facto nem gostam.
Daí torcerem o nariz à fama da rapariga e ao muito que ganha, pois enquanto as pessoas vivem a queixar-se do preço da carne, para doçaria há sempre dinheiro, e o que tinha começado como lojinha de nada coisa nenhuma, é agora um estabelecimento que não destoaria em Lisboa.
Contudo, a prosperidade da Amélia veio complicar uma vida que já em pequena era de maria-rapaz, pelo que ninguém tinha estranhado quando aos dezoito foi para Lille, “adoptada” por uma cinquentona com a postura e os modos de sargento dos paraquedistas.
Dos anos que por lá ficou pouco se sabe, e no começo foram apenas boatos, certo é que muitas mães temem menos os garanhões que lhes perseguem as filhas, do que uma Amélia, que a fazer-se sonsinha já desgraçou umas quantas, levando-as pelo mau caminho.
Mau caminho, aliás, não é expressão que todas as mães aceitem, são essas as mais ferrenhas a apontar o dedo a quem não entende que o antigamente é isso mesmo: o que foi deixou de contar, tudo está em mudança, bem simples é o que ainda divide a humanidade em homens e mulheres, e fecha os olhos ao que à sua volta acontece.
Que mal há em que a Amélia namore raparigas, as leve para a cama, e às vezes a uma ou outra ponha por conta? Então se fosse homem podia e sendo mulher não pode?