sábado, maio 7

Camelos

 

Tem lembrança de que foi muito antes do casamento, um livro de Torga, emprestado, um diário? o autor a contar que estivera em  Marrocos, e uma manhã, num mercado de camelos, presenciara a cópula de dromedários, no dizer dele um espectáculo revoltante. Com azedume, terminava o relato  afirmando que só a cópula humana excedia a daquelas bestas disformes em nojo e fealdade.

Tinha lido e esquecido. Deve ter sido surpresa para o João o não ser virgem, mas as experiências sexuais do passado de ambos era assunto em que não tocavam.

Viviam em mediania, amavam-se sem extremos, a rotina dava estabilidade, as noites de quarta e as manhãs de domingo garantiam uma maneira de consolo.

Três anos sem mudanças nem variações. Um domingo, ele com uma bruteza que lhe desconhecia, e aos urros, a bufar, a ter de agarrá-lo pelos pulsos para que a não magoasse, veio-lhe a lembrança do que tinha lido e desatara a rir.

- O que foi?

Não esqueceria aquele rosto quase a tocar o seu, a expressão raivosa, os dentes arreganhados como os de cão pronto a morder.

- Diz! – e os dedos apertaram-lhe o pescoço.

Estrebuchou, ele soltou-a, ficaram lado a lado em silêncio. Depois ainda o ouviu resmungar qualquer coisa antes do estrondo da porta do quarto de banho. Desde então só falam o preciso e dormem separados.