segunda-feira, maio 9

Entremez

 

- Lembra-se de mim?

- Com certeza.

Encaramo-nos. O sorriso, o silêncio, os gestos de fingida simpatia não escondem o embaraço em que ficamos.

Involuntariamente? Não. Maldosamente recordo uma fotografia que dele vi num jornal, em pé numa rocha, mão direita a segurar o seu último livro de poesia, o olhar perdido num horizonte de montanhas.

- Deve ter sido há dois anos.

- Creio que sim. O tempo passa muito depressa.

Ó Senhor do Céu e da Terra! Quantas vezes me digo que é melhor calar do que esconder o embaraço com banalidades tolas?

Mas não tenho emenda, e aí vou eu a elogiar-lhe a poesia que nunca li, o outro em mim rindo de me ver à procura de palavras condizentes à situação – telúrico, prosódia, alexandrino, estilística – e debitá-las com a patetice que cabe nos entremezes.

Felizmente, ele não me fica atrás: vejo-me comparado "aos Namoras, aos Aquilinos", a um para mim desconhecido Gomes, a um A.C. Nunes que "escreve lindamente sobre a nossa região".

Acode-me uma santa, que segura uma bandeja com copos e pergunta se quero tinto ou branco.