No hospital, num enterro, em horas
de choque ou grande emoção esperam-se lágrimas, mas numa conversa entre amigos
em que à ligeira se salta da política para o Benfica, as multas do
estacionamento, o restaurante do “Guadramil”,
e de súbito ver o Antero de olhos marejados a fungar no lenço, abanando a
cabeça que não é nada, causa um misto de espanto e incómodo, leva a supor o
pior, doença grave, problemas de dinheiro, coisas assim.
Ficámos à espera que explicasse,
mas também incomodados, porque ele costuma ter saídas que nunca se sabe se é a
sério ou a gozar connosco. Desta vez, contudo, dividiram-se as opiniões, uns a
dar-lhe razão, outros dizendo que esquecesse, embora concordássemos que nunca
deve ter sido tão estranho como agora o fosso que separa a juventude da
velhice.
Desde que enviuvou almoça aos
domingos em casa do filho e tinha-se lembrado de procurar umas fotografias dos
anos setenta para mostrar à neta como eram os costumes da aldeia. A maioria a
cores tinha juntado umas trinta, a burra com os cântaros da água, as mulheres a
lavar na ribeira, a matança do porco, as malhadas, as procissões. Bons tempos,
felizmente passados, que aquilo não era vida.
Com doze anos a Daniela é uma garota
espevitada, boa cabeça e, como pertence na sua idade, assustada com a poluição,
o aquecimento do planeta, os plásticos, o desinteresse da família pelo que a
Greta prega, mas carinhosa também, quando o avô a chamou foi sentar-se ao seu
lado e sim, claro, gostava de ver as fotografias, se calhar podia usar algumas
para um trabalho da escola.
Conta ele que teriam visto umas
seis ou sete quando chegaram às da matança e numa a cores estava o porco
cortado de cima abaixo, as entranhas à mostra, o Pêgas de faca na mão, ele
próprio a fingir que acariciava o focinho do animal.
Surdo e distraído ia na terceira
fotografia da matança, a contar que se fazia assim e assado quando deu conta de
que estava só. Esperou, a miúda devia ter ido ao quarto de banho, continuou à
espera já aborrecido, e poderia ter imaginado tudo menos o ar de ameaça com que
o filho e a nora entraram a pedir explicações do que se passara, que
fotografias eram aquelas, que tinha acontecido para deixar a pequena em choque.
E desculpasse, mas era melhor ir embora.
Desde então não falam nem os
tornou a ver, soube pelo filho do Tavares que no Facebook a Daniela tem muitos likes,
conta lá que não perdoa terem-lhe escondido que o avó era um sádico que até se
ria quando cortava as tripas aos animais.