Estes dizem que é o infeliz acaso, outros acreditam nos
mistérios do sobrenatural, há de facto ocasiões em que mesmo o mais empedernido
dos materialistas vê abaladas as suas certezas e no íntimo se pergunta se tudo
é predestinação ou à nossa volta há muito que os olhos não enxergam e o
entendimento não alcança. Há vezes, porém, em que um nada é o preciso para disparar a tragédia.
Reformaram-se os seis na mesma altura, em Outubro
festejaram dez anos de convívio com um passeio à Mealhada, um almoço em que beberam
do melhor e exageraram tanto no leitão que no regresso iam pesados, macambúzios.
Para lá de Senhorim tiveram de parar a carrinha porque o Bernardino se sentiu
mal, com uns vómitos tão fortes que julgaram que lhe desse alguma coisa.
Felizmente foi-se recompondo, quando chegaram à vila ainda disseram que seria
melhor passar pelas Urgências, ele zangou-se porque insistiam, mas por fim
deixaram-no em paz, a única coisa em que repararam foi que em vez do aperto de
mão ou acenar como era seu costume, os abraçou um por um.
Ao entrarem na carrinha o Fonseca disse ter notado que
o Bernardino tinha os olhos marejados de lágrimas, mas de cansaço ou
aborrecidos com aquela mania do “Pão de forma” sempre notar o que os outros não
notam e saber o que os outros não sabem, ninguém respondeu ou se esforçou a
disfarçar a irritação, os resmungos de despedida fazendo esquecer a alegria com
que tinham ido festejar.De manhã, por volta das dez foi uma bomba. A Gabriela,
a vizinha que lhe tratava da casa, tinha encontrado o Bernardino enforcado no desvão
da escada. Juntaram-se para ir lá, talvez pudessem dar uma ajuda ou a Gabriela
contasse alguma coisa, mas a GNR e o delegado estavam a tratar do caso, tinham posto um cordão
na rua, ninguém passava.
Entraram no café com a disposição que se imagina, e
pouco adiantava quererem conversar, não lhes saía mais do que palavras sem nexo
ou um resmungo de incompreensão pelo que teria levado o Laurestim a fazer
aquilo, pois vivia desafogado, tinha uma saúde cinco estrelas, o ficar viúvo pusera
fim a trinta e dois anos de guerra conjugal. A menos que…
Pode não ter ocorrido a todos em simultâneo, mas no
instante em que se encararam sabiam que pensavam o mesmo, nenhum capaz de quebrar
o silêncio até que o Cardoso deitou a culpa a todos: - Se calhar foi por causa
daquela brincadeira de dizermos que já não é preciso tê-los no sítio pra sair
do armário. Mas que diabo! Toda a gente sabia, ele próprio se riu! Não era
razão pra tanto.