Há quem realmente sinta que com
o céu azul a brilhar, temperatura amena e sem sopro de vento, alguns dias logo
de manhã anunciam que algo de inesperado e bom irá acontecer, como também há os
que descobrem prenúncios sombrios em tudo, certo tipo de nuvens, no grasnar dos
corvos, na forma que o ovo toma ao cair na frigideira.
Outros encolhem os ombros, acham
isso disparate, certos de que oráculos e superstições são bem empregues nos
pobres de espírito, quem tem a cabeça no seu lugar faz como São Tomé só
acredita vendo.
O Alberto Candeias - os amigos
chamam-lhe o “Parapente” por ser
fanático desse desporto – é tão ferrenho a desconfiar que no seu caso quase se
virou o feitiço contra o feiticeiro, se fosse pessoa de mais juízo as coisas
não teriam chegado a tal ponto.
Tinha estado com o pessoal, a
animá-los para que acabassem as paredes quinta-feira, depois hesitou se ia
buscar o parapente, e de súbito, ao abrir a porta do carro, uma fisgada do lado
direito, tão violenta que o deixou sem ar. Davam-lhe de longe a longe, mas nada
que se parecesse com aquilo.
Entrou em casa a cambalear, a
Lurdes e a sogra a ampará-lo, estendeu-se no sofá, mas logo mal humorado e sem
lhes dar tempo a abrir a boca, nada de INEM nem de médico, fizessem-lhe um chá
de cidreira que aquilo não era nada.
Passava das onze quando o INEM veio
e não sabe se perdeu os sentidos ou lhe deram algum calmante, nada recorda do
que aconteceu desde que a ambulância parou no hospital até acordar da
anestesia.
Quando teve alta o doutor Veiga
foi directo ao assunto: no estado em que tinha o fígado e o estômago, ou seguia
à risca a dieta ou continuava a abusar e não lhe garantia mais do que um ano de
vida.
Desconfiava há muito, mas nesse
instante teve a certeza: com aquele arzinho de santa de redoma a sogra queria
matá-lo. Não perdoava que ele, então um pedreiro maltrapilho, tivesse feito o
mal à Lurdes quando ela já namorava com o filho do Taipa, e sorna como era não
o fazia com veneno, porque daria nas vistas, mas pouco a pouco, empanturrando-o
de fritos e assados, à sexta tripas à moda do Porto ou um cozido à
transmontana, doçarias, sempre a encher-lhe o copo e o prato, dizendo que um
homem queria-se forte, gente de juízo não ligava à palermice das dietas e das
verduras.
O tribunal absolveu-o. A
acusação não pôde provar que ele tivesse empurrado a sogra escadas abaixo e a queda fosse a causa da
morte, tanto mais que ele próprio também tinha caído no momento em que a queria
segurar.