sábado, dezembro 28

A queda do "Parapente"


Há quem realmente sinta que com o céu azul a brilhar, temperatura amena e sem sopro de vento, alguns dias logo de manhã anunciam que algo de inesperado e bom irá acontecer, como também há os que descobrem prenúncios sombrios em tudo, certo tipo de nuvens, no grasnar dos corvos, na forma que o ovo toma ao cair na frigideira.
Outros encolhem os ombros, acham isso disparate, certos de que oráculos e superstições são bem empregues nos pobres de espírito, quem tem a cabeça no seu lugar faz como São Tomé só acredita vendo. 
O Alberto Candeias - os amigos chamam-lhe  o “Parapente” por ser fanático desse desporto – é tão ferrenho a desconfiar que no seu caso quase se virou o feitiço contra o feiticeiro, se fosse pessoa de mais juízo as coisas não teriam chegado a tal ponto.
Tinha estado com o pessoal, a animá-los para que acabassem as paredes quinta-feira, depois hesitou se ia buscar o parapente, e de súbito, ao abrir a porta do carro, uma fisgada do lado direito, tão violenta que o deixou sem ar. Davam-lhe de longe a longe, mas nada que se parecesse com aquilo.  
Entrou em casa a cambalear, a Lurdes e a sogra a ampará-lo, estendeu-se no sofá, mas logo mal humorado e sem lhes dar tempo a abrir a boca, nada de INEM nem de médico, fizessem-lhe um chá de cidreira que aquilo não era nada.
Passava das onze quando o INEM veio e não sabe se perdeu os sentidos ou lhe deram algum calmante, nada recorda do que aconteceu desde que a ambulância parou no hospital até acordar da anestesia.
Quando teve alta o doutor Veiga foi directo ao assunto: no estado em que tinha o fígado e o estômago, ou seguia à risca a dieta ou continuava a abusar e não lhe garantia mais do que um ano de vida.
Desconfiava há muito, mas nesse instante teve a certeza: com aquele arzinho de santa de redoma a sogra queria matá-lo. Não perdoava que ele, então um pedreiro maltrapilho, tivesse feito o mal à Lurdes quando ela já namorava com o filho do Taipa, e sorna como era não o fazia com veneno, porque daria nas vistas, mas pouco a pouco, empanturrando-o de fritos e assados, à sexta tripas à moda do Porto ou um cozido à transmontana, doçarias, sempre a encher-lhe o copo e o prato, dizendo que um homem queria-se forte, gente de juízo não ligava à palermice das dietas e das verduras.

O tribunal absolveu-o. A acusação não pôde provar que ele tivesse empurrado a sogra  escadas abaixo e a queda fosse a causa da morte, tanto mais que ele próprio também tinha caído no momento em que a queria segurar.