sábado, dezembro 21

A brasileira do "Gimonde"


O “Gimonde” – a alcunha herdou-a do pai que nasceu nesse confim transmontano - tem uma maneira muito sua de começar qualquer conversa, pois além de falar em surdina e olhos nos olhos com o interlocutor, aproxima-se de tal maneira que entre ambos pouco mais fica que uma mão travessa, resultando daí uma desagradável sensação de intimidade. Nada adianta dar um passo atrás ou segurar-lhe o braço para evitar que se chegue, porque logo ele volta ao mesmo, o remédio é aguentar.
Trabalhou na Opel em Rüsselsheim, gosta de recordar que lá tudo, mas mesmo tudo é muito melhor, e como depois de dezoito anos de trabalho, um acidente que por sorte não o deixou inválido, lhe valeu uma reforma que talvez nem os nossos ministros recebam.
Veio ter comigo porque queria falar de uma relação começada em Agosto com uma rapariga que conheceu no café do Escalda, e sendo eu amigo de sempre, como o fui do seu falecido pai, num caso destes só em mim confia.
Ao mesmo tempo que falava já ele me punha o telemóvel tão perto dos olhos que por instinto de defesa recuei, vi então um rosto simpático de mulher entre os vinte e cinco e os trinta, nem bonita nem feia, fazendo o meu melhor para esconder a irritação que me causava aquele modo agitado que agora quase todos têm quando querem mostrar qualquer coisa no telemóvel.
Divorciada, sem filhos, nascida em Curitiba, os trinta e dois anos idade confirmara-lhos ela com o passaporte, havia quase três que trabalhava na recepção do hotel e tinha estudado na universidade, até lhe mostrara o diploma.
A relação não podia ser melhor - em todos os aspectos, sublinhou ele piscando o olho -  mas esse documento perturbava-o, pois se sabia bastante da montagem de automóveis, ficava às escuras a respeito de estudos, verificasse eu então se a Marileide era de facto doutora.
Todo nervos, recomeçou a busca no telemóvel: Marileide numa festa, Marileide estendida ao sol na praia, sorrindo na esplanada, muito profissional no hotel, ao volante dum jipe… Descobriu por fim o diploma que ela uma noite lhe mostrara e ele às escondidas tinha fotografado, alargou a imagem, dissesse eu então.
Para minha vergonha confesso que sorri, desconfiado do nome, mas a Universidade Tuiuti do Paraná existe e num documento genuíno na aparência dava Marileide Sofia Alonghi como Tecnóloga em Estética e Imagem Pessoal.
- E então? É?
Ansioso, o “Gimonde” estava tão chegado que lhe sentia o bafo, e talvez por isso nem hesitei, promovi a Marileide: - É doutora, sim senhor.