O “Gimonde” – a alcunha herdou-a do pai que nasceu
nesse confim transmontano - tem uma maneira muito sua de começar qualquer
conversa, pois além de falar em surdina e olhos nos olhos com o interlocutor,
aproxima-se de tal maneira que entre ambos pouco mais fica que uma mão
travessa, resultando daí uma desagradável sensação de intimidade. Nada adianta
dar um passo atrás ou segurar-lhe o braço para evitar que se chegue, porque
logo ele volta ao mesmo, o remédio é aguentar.
Trabalhou na Opel em Rüsselsheim, gosta de recordar
que lá tudo, mas mesmo tudo é muito melhor, e como depois de dezoito anos de
trabalho, um acidente que por sorte não o deixou inválido, lhe valeu uma
reforma que talvez nem os nossos ministros recebam.
Veio ter comigo porque queria falar de uma relação começada
em Agosto com uma rapariga que conheceu no café do Escalda, e sendo eu amigo de
sempre, como o fui do seu falecido pai, num caso destes só em mim confia.
Ao mesmo tempo que falava já ele me punha o telemóvel
tão perto dos olhos que por instinto de defesa recuei, vi então um rosto
simpático de mulher entre os vinte e cinco e os trinta, nem bonita nem feia,
fazendo o meu melhor para esconder a irritação que me causava aquele modo agitado
que agora quase todos têm quando querem mostrar qualquer coisa no telemóvel.
Divorciada, sem filhos, nascida em Curitiba, os trinta
e dois anos idade confirmara-lhos ela com o passaporte, havia quase três que
trabalhava na recepção do hotel e tinha estudado na universidade, até lhe
mostrara o diploma.
A relação não podia ser melhor - em todos os aspectos,
sublinhou ele piscando o olho - mas esse
documento perturbava-o, pois se sabia bastante da montagem de automóveis,
ficava às escuras a respeito de estudos, verificasse eu então se a Marileide
era de facto doutora.
Todo nervos, recomeçou a busca no telemóvel: Marileide
numa festa, Marileide estendida ao sol na praia, sorrindo na esplanada, muito
profissional no hotel, ao volante dum jipe… Descobriu por fim o diploma que ela
uma noite lhe mostrara e ele às escondidas tinha fotografado, alargou a imagem,
dissesse eu então.
Para minha vergonha confesso que sorri, desconfiado do
nome, mas a Universidade Tuiuti do Paraná existe e num documento genuíno na
aparência dava Marileide Sofia Alonghi como Tecnóloga em Estética e Imagem
Pessoal.
- E então? É?
Ansioso, o “Gimonde” estava tão chegado que lhe sentia
o bafo, e talvez por isso nem hesitei, promovi a Marileide: - É doutora, sim
senhor.