domingo, maio 1

A fé nem sempre nos salva

Não lhe venham com gracejos, para ele é mesmo acto de fé, uma certeza a que se agarra desde a manhã  em que, por uma traquinice, a avó lhe deu um puxão de orelhas e, prendendo-lhe o braço com uma força que condizia mal com a sua velhice, o arrastou até à igreja, pôs de joelhos diante da imagem de Santo António, obrigando-o a jurar que não repetiria a maldade e nunca, mas mesmo nunca, se afastaria do bom caminho.

Com ou sem santo, alguns de nós recordam dessas cenas de penitência, e remetem-nas ao folclore da infância. Não assim o Manuel Azenhas, a quem Santo António já por duas vezes apareceu. A primeira na Guiné, quando a patrulha caiu numa embuscada, a outra um segundo antes do carro se despistar ao fazer a curva, e ficar pendurado à beira do precipício. Os bombeiros disseram que tinha sido milagre, porque mais um metro e despenhavam-se no Mondego. Milagre foi também nem ele nem a mulher ficarem feridos, não se lembrarem de nada, nem saber se tinham tido medo.

Este último caso deu-se em 2019, e embora o Azenhas já então tivesse duas estatuetas, a partir daí foi acometido pela urgência de coleccionar imagens do santo, o que dá à casa um aspecto de bricabraque, acentuado agora com os desenhos oferecidos pela sobrinha do Xavier, que andou nas Belas-Artes e os visita muito, embora D. Rosa, como já disse ao marido, aprecie cada vez menos a presença da trintona. Que tem jeito para ao desenho não será ela a negá-lo, agora vê-la de mini-saia defronte do Manuel, a cruzar e descruzar as pernas num jeito de sem-vergonha, e o pateta a sorrir, fingindo que não vê, mas a arregalar os olhos, repetindo que sim, os desenho são uma lindeza, agradece, nem se dando conta que lhe escorre a baba.

Como D. Rosa do santo casamenteiro não espera ajuda, então terá de ser o caldo de galinha preta.