Muitas vezes é sem maldade, noutras cedemos ao instinto de humilhar, por certo a forma branda e civilizada da do homem das cavernas, que por dá cá aquela palha pegava na moca e esborrachava a cabeça do outro.
De nada adianta querer negá-lo, todos conhecemos alguém que parece ter nascido com o infortunado destino de ser vítima. Uns por timidez ou desastrados, outros porque mesmo que não se mexam nem abram a boca, um não sei quê no aspecto ou no modo parece predispô-los a pião das nicas.
A este já chegava a bizarria do padrinho rico ter exigido que o baptizassem Varselino, mas logo desde miúdo, feições, trejeitos, atitude, até aquele modo de andar, desengonçado como o de um roberto, duma maneira ou doutra quase tudo nele parecia um convite à agressão.
Todavia, caridade do Todo Poderoso ou mezinha que lhe deram, o solteirão que a meio dos cinquenta ainda era, como que se despenhou no seio e na cama da Filomena, ela todo o seu contrário, nada tipo fada do lar antes mulher de pêlo na venta, que logo o obrigou a usar chapéu para que desse menos nas vistas que só lhe chegava ao ombro.
Uma única vez tinham falado de descendência, mas pela rama não fosse o outro pensar diferente e abespinhar-se, depois sorrindo de alívio com a concordância, ele a citar "quem tem filhos tem cadilhos", ela segura que para a velhice tinha as duas sobrinhas e o que não tardaria a herdar, pois embora o plano não metesse veneno dos ratos nem trambolhão escadas abaixo era dos que não falhava e sem risco de cadeia.
Coisa de ano e meio se não foi lua de mel parecia, no café davam nas vistas, murmurava-se de estarem sempre às gargalhadas, a apertar-se as mãos como dois pombinhos, cochichos à orelha à moda de namoro. Pouco depois começou-se a reparar que saíam menos, ele engordava, e não andariam de trombas mas já ninguém os via com paparicos.
É sabido que o sigilo profissional pesa muito para os médicos, mas também os há casados que para aliviar o dia às vezes desabafam com as esposas, e como estas não fizeram o juramento de Hipócrates, segredo que lhes confiem é como gasolina a arder.
O Varselino não iria durar muito. Já não era nas quartas à noite e domingos de manhã como no princípio, mas todos os dias três quatro vezes e ai dele que voltasse a virar a cara ao chá do pau de Cabinda, porque ela lho faria engolir a ferver.
Os que o têm visitado vêem um esqueleto que já não acerta no que diz, mas confessam que não desperta simpatia, "o gajo nasceu mesmo pra pião das nicas."