quarta-feira, setembro 30

A Mitologia grega

É pena que seja tão grande o desinteresse pela Mitologia grega, pois sobram nela as lições,  muitos teriam vantagem em aprender com os erros dos deuses e a que desgraçados fins leva a vaidade e a ilusão de importância, mesmo quando ela vive apenas na triste cabecinha daqueles que um dia se convenceram de que estavam perto da meta por que ansiavam, tinham o discurso pronto, a pose ensaiada, e se vêem de súbito a viver o dia-a-dia de quase todos, só rotina e melancolia, cautelas, sujeições. A fama que julgavam ao alcance da mão sumiu-se num repente e sem rasto, o futuro mostra as cores negras que reserva para os que querem mas ignoram que não podem, as noites são um martírio, nenhuma manhã é alvorada de esperança. Chegando a esse ponto nada adianta, resta aceitar.

 

 

terça-feira, setembro 29

Cenas que desalentam

 Gente que raro lava as mãos a desinfectar-se num frenesim à entrada do supermercado.

Uma mulher a coçar o nariz por baixo da máscara.

Um casal no restaurante, que enquanto espera pela sobremesa repõe as máscaras.

Ainda no restaurante: um homem espirra e olha em volta como se tivesse cometido um desacato. Também não falta quem o encare.

A patrulha da GNR veio à aldeia e vi gente a esconder-se porque estava sem máscara. "Não será obrigatório, mas nunca se sabe", disse-me o vizinho.

Uma amiga da minha idade vinha para me abraçar e de repente trava, estaca, os olhos marejados. Aproximo-me, ela recua assustada, ficámos ali distanciados a dizer banalidades.

 

segunda-feira, setembro 28

Num jantar

Interessante jantar dias atrás, seis à mesa, e descontando a minha a média de idade nos cinquenta e tal. Conversa séria entre cidadãos de ideias e opiniões variadas, mas sem excepção com um genuíno amor ao país, que sempre conhecemos de saúde periclitante e que além de reagir mal às transfusões de sangue e à ajuda dos respiradores definha agora a ponto que, se fosse gente, se esperaria o pior.

Discutiu-se, opinou-se, comentou-se, ironizou-se, mas mesmo os que sabiam de economia e finanças não sugeriram soluções nem arriscaram prognósticos, e assim chegámos ao momento de falar no que imaginamos que poderá acontecer nas futuras eleições legislativas. Parecerá bizarro, mas com bastantes diferenças entre nós chegámos à mesma conclusão: a de que pelo menos na província que conhecemos melhor esperamos uma mudança radical, pois o que vamos ouvindo, as pessoas com quem falamos, o que nos contam, mas sobretudo o que as pessoas confessam da amargura de se sentirem abandonadas pelos partidos a que uma vida inteira foram fiéis, promete um abalo. Grande ou pequeno só os deuses sabem, mas na opinião dos que ali estávamos será surpreendente.

domingo, setembro 27

As forças do sobrenatural

Mesmo os que negam tudo o que tenha a ver com o sobrenatural, vivem por vezes uma circunstância que de súbito abala as suas convicções, os faz pensar que talvez devam ser menos fanáticos na negação e, por pequena que seja, deixar em aberto a possibilidade de que nem tudo está ao alcance dos nossos sentidos.

O Zagalo é todo o avesso dos descrentes, acredita no sobrenatural e tem a certeza absoluta de que se séries como Star Wars são obras de imaginação filmadas em estúdios, elas encerram mensagens que nos são enviadas doutros mundos, mas demorará séculos e séculos antes que sejamos  capazes de as decifrar. Todavia, isso não o impede de passar noites a examinar aquelas fotografias da NASA, fascinado pela imensidão do universo, esperançado de a olho nu um dia descobrir o que a outros escapou e alcançar a fama.

Seria injusto concluir que, como se costuma dizer, o Zagalo vive na Lua, pois todos temos sonhos e só Deus sabe quanto alguns deles são desmedidos. Fora isso, se podemos sorrir da sua pesquisa de sinais extraterrestres, mesmo entre os mais cépticos dos seus conhecidos é sabido que na vida do Zagalo se têm dado episódios que desafiam a lei das probabilidades, uns bons outros estranhos, que sempre acontecem de seguida a certos movimentos e sons do Taksin, o gato siamês que era da mãe e com que ficou quando ela faleceu. Infelizmente não pode prever quando essa actividade tem lugar, menos ainda o seu resultado, pois o que por vezes julga ser um sinal misterioso é apenas o bichano a pedir lambarice ou estar em maré de ternura. Mas para só falar da última vez em que ficou mesmo espantado, estava uma noite a ver o Big Brother quando o Taksin se pôs a esfrangalhar o jornal caído no soalho. Não ligou, porque já era costume, mas ao pegar nele ao colo os seus olhos foram atraídos pela publicidade da Raspadinha. Como não costuma jogar esqueceu o que talvez pudesse ser um presságio, mas de manhã na Câmara nem queria acreditar quando o Daniel lhe veio dizer que tinha subido de escalão.

Um incrédulo abanará a cabeça, que uma coisa nada tem a ver com a outra, mas ele não entra em discussões nem é de confidências, mesmo ao Bernardes, amigo do peito, nunca dirá que leva o Taksin para a cama e quando vê que ele o está a encarar e começa a mexer a pata esquerda, lhe pergunta coisas que gostaria de saber e o bicho responde, ora com uma tremura ou então num certo modo de inclinar a cabeça. Por duas vezes acertou de tal forma que começa a ter medo dele.

sábado, setembro 26

Um bando de corças


                                                                               (Clique) 

Nos noventa anos que tenho de vida e nos muitos que já passei aqui na aldeia nunca tal aconteceu, pelo que foi grande surpresa que esta manhã, a poucos metros de mim, de repente atravessasse o caminho um bando de corças, talvez uma dezena, que a minha presença incomodou quando andavam a saquear um amendoal. Tempo para fotografia nem pensar, que elas como que voavam, pelo que deito mão a este livro com esplêndidas fotografias de animais e que há muito tempo de vez em quando folheio.