domingo, abril 14

O Cabo Horn

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Há o Porto, há Lisboa, depois o Algarve dos hotéis e aquela faixa larga de poucos quilómetros a contar das praias, as autoestradas sem carros, os estádios sem festa, os repuxos, as rotundas, as fontes luminosas, as Casas da Cultura, os pavilhões desportivos.
Que se comece do Minho para oriente, ou do Alentejo para cima, quanto mais se avança mais espessas são as sombras,quem chega ao Nordeste transmontano vê-se ali como o explorador que desceu ao fim da Patagónia e, assombrado, dá conta de que nenhum pincel, palavras nenhumas, chegam para exprimir as águas revoltas, aquele negrume do céu, o abandono, a secura, a força da ventania.
O Nordeste transmontano é o nosso Cabo Horn. Os montes que o povoam encerram mares de negrume e tragédia que uns ignoram, outros com razão não querem ver, porque o negrume pega-se, vai um passo de nada da paz que se finge à tragédia que nos esmaga.
Aqui e ali ainda há jovens, homens e mulheres na força da vida, mas o grosso do Nordeste transmontano, as gerações dos que têm setenta, oitenta anos, está a morrer da pior das mortes: a do abandono, do medo, do desespero e desilusão.
Foram os que arriscaram e fugiram, mourejaram dos Pirenéus a Paris, sentiram-se salvos e senhores quando na volta juntaram ao Toyota aquele tractor de rodas gigantes e assento alto, trono de haver e poderio. Os filhos compraram o Mercedes, o apartamento, gozaram no México, não esquecerei tão cedo o brilho de orgulho nos olhos da conterrânea, que dizia, falando dos netos: "Tenho oito doutores em casa! Oito!"
E quase de súbito, com o inesperado e a devastação dos furacões em mar longínquo, o que parecia bucólico, assente, sossegado, ruiu. Os filhos e os netos chegaram com o ar de refugiados de uma catástrofe ou guerra. Em volta da lareira, que foi sítio de harmonia, ouvem-se os gritos do medo que todos sentem, das culpas que ninguém tem. Onde houve união é agora cada um por si. Andam esgazeados pelas repartições, agitando papéis que mal compreendem para o que são, pagamentos que têm de fazer a um ogre que lhes exige a bolsa e não garante a vida.
Mesmo o Senhor parece tê-los abandonado, Ele de quem sempre lhes disseram que era o da  eterna esperança e da salvação.