segunda-feira, dezembro 5

De Março a Setembro

Lembram-se daqueles dias do fim de Março passado, luminosos, calor brando, uma doçura a acariciar a pele, céu de cristal?
Uso as palavras dela. Sentados lado a lado, oiço-a silencioso, imóvel. Surpreso pelo inesperado da confidência e com algum incómodo, a atenção que mostro não corresponde à frieza do meu juízo. Mais tarde abrandarei, vou encontrar frases e gestos de carinho, será sincero o modo como a abraço e lhe beijo a face. De momento, porém, é bom que não me encare nem leia o pensamento.
Fim da tarde de sexta-feira, 25 de Março, 2011. Questão de memento, para ela esta exactidão é importante, importantes também os detalhes, a maneira como se adiantou a deixar o trabalho, a impaciência no táxi, os degraus que na praia desceu a correr, a pressa de enfiar o biquíni, a toalha, a garrafa de água, os óculos escuros, o receio de ter esquecido o mp3, Amy Winehouse.
Estendeu-se na areia, perdida na música. Bela mulher de trinta e quatro anos, imagina o que ainda pode acontecer, recorda as aventuras que começou cedo na adolescência, os amores, o deslumbramento da paixão com o sueco que a fez mãe, e um domingo, dois anos atrás, sem prenúncio nem aviso, lhe disse que era o fim, deixando-a mais perplexa que magoada, a  perguntar-se que mal teria feito.
Confessa que sonha em demasia, mas tem uma esperança infinda, certezas absolutas, já lhe aconteceram milagres. Como agora. Fazendo propositadamente sombra, ele obriga-a a abrir os olhos e, directo, de uma franqueza desarmante, diz que precisa de companhia, tem a certeza de que o não irá enxotar.
Riem, falam, irão tomar café, no dia seguinte vão ao cinema. Na noite de sábado, 2 de Abril, foram para a cama. Carinhos, carícias, doçuras sem fim. As razões de não haver sexo, nem ela compreendeu nem ele explicou, mas a partir daí foi um paraíso, os fins-de-semana uma festa. O sexo viria no momento apropriado. Seria uma questão religiosa, impotência, quem sabe se pejo de confessar um defeito, uma incapacidade? Amavam-se de verdade, e fundo, o que importava.
Volta-se, como que a certificar-se que a ouvi e acredito, mas logo deixa de me encarar, a voz um sussurro.
18 de Setembro, domingo, ao fim da tarde, ele vai-se despedir. Abraça-a. Afasta-a depois, mas continua a segurar-lhe os braços e de repente diz que nunca se voltarão a ver, não quer fazer da vida dela uma tragédia, é melhor terminar.
- Será este o meu destino?
Respondo-lhe que não, mas daqui a um tempo será outra vez na praia ou num café, numa esplanada, no cinema.