Confidência recebida? Ficção que se inventou? Miscelânea do acontecido e do imaginado? Tudo isso, leitor/a, importa menos do que a sua reacção ao final da história, o que vai pensar, e de que modo isto o/a toca ou não.
"Casaram novinhos", dizia a mãe dela. De facto pouco passavam dos vinte, mas tinha sido paixão de verdade, com febre, urgências e loucuras. Num único ponto, o do sexo, foram pouco a pouco descobrindo diferença de interesses, mas, também pouco a pouco, aprenderam a respeitar e a aceitar.
Cedeu ele. E como se o Destino o quisesse premiar pelos anos de fidelidade e paciência, encontrou na amante a satisfação de todos os seus desejos e fantasias. Todos. Era vida de risco, vida dupla, dolorosa no ponto em que o seu amor pela mulher continuava verdadeiro e profundo, e na amante não via mais que um partner in crime.
Voltou o Destino a intervir, desta vez sem prémio, antes com severidade de juiz. Descobriu a mulher a traição, confessou ele a culpa e fez promessa de que era caso arrumado. Pediu, sim, que pudesse explicar à amante o sucedido e despedir-se dela sem brusquidão.
Concordou a mulher. Passaram os anos, nunca mais foi o passado assunto de conversa ou desavença. Só quando de longe a longe acontecia falar-se de uma Mónica - actriz do cinema, personagem da televisão – involuntariamente sentiam um alarme, um ligeiro tremor.
Casal na meia-idade, ganharam o hábito de à sexta-feira, como que para encerrar a semana de trabalho, jantarem no mesmo restaurante. Foi aí que, conta ele, tempos atrás, sem que possa adivinhar a razão que o impeliu a fazê-lo, se dirigiu inesperadamente à mulher:
- Nunca to disse, mas tenho remorso daquilo.
Ela sorriu, encarou-o, apertou-lhe a mão:
- Motivo tinhas tu de sobra.
Ao assunto não voltaram. Talvez não se lhes leia no rosto nem no modo, mas amam-se e sabem-se felizes.