domingo, setembro 15

"As Cruzes"

 

Assim nomeadas por serem filhas do senhor Cruz. Ninguém as conhecia, apareceram na aldeia como se tivessem caído ali de páraquedas, choque tamanho que se deixou de falar da Segunda Guerra Mundial, terminada dias antes.
Sabia-se que viviam em Lisboa e o pai, já viúvo era da Câmara, vinham liquidar a herança de uma tia-avó, a Marcolina. Houve algum falatório sobre o mau carácter e a sovinice da defunta, mas passou-se o pano sobre isso, e com os beijinhos, abraços, cestas de fruta de boas-vindas, correria tudo bem. Correu tudo mal, só por um triz não houve mortes.

De dezasseis, dezoito, vinte e um, bonitas como as do cinema, as raparigas usavam calças de homem, e mal vissem burro ou mula sem dono perto saltavam para o animal e, escarranchadas na albarda, corriam a galope rua acima rua abaixo. As mulheres faziam o sinal da cruz, os homens de boca aberta pelo espectáculo, sonhado mas nunca visto: seios lindos e alvos a pular no decote, que as sacaninhas desatavam o preciso para que as mãos dos toscos se afundassem nos bolsos a acalmar a ferramenta.

Como as noites eram de grande calor, os rapazes subiam ao mais alto do monte, não só pela frescura, mas para verem o foguetório dos arraiais naquele longe.

Disse-se que foi ideia do Calaço, mas ele negou, e onde já está não pode responder. As meninas tinham aceitado. Que sim, gostariam muito de ir ver, não tinham medo do escuro nem a subida as cansaria.

Do que lá se passou ninguém quis falar, e dos ainda vivos uns esqueceram, outros encolhem os ombros.

Certo é que quando voltaram o povo se tinha juntado, e ao verem cada uma das Cruzes apertada por dois ou três, rebentou um escarcéu de revolução.

Fugiram elas para casa, mas essa noite alguém as terá ido buscar, porque abandonaram a tralha e foi como se levassem sumiço.