quinta-feira, setembro 5

Amor de rei

 

O cronista Fernão Lopes (c.1380-1460) escreve que raramente deve alguém ter sentido um amor igual ao do rei D. Pedro I por Inês de Castro, a fidalga espanhola que tinha vindo para Portugal no séquito de sua mulher D. Constança. Quando esta morreu em 1345, D. Pedro - então ainda príncipe herdeiro - instalou-se no palácio que sua avó, a Rainha Santa Isabel, mandara construir em Coimbra, junto do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, e aí passou a viver abertamente em concubinato com Inês de Castro.

Desses amores nasceram quatro filhos. Aparentemente preocupado com a possibilidade de que, através de Inês de Castro, os reis de Castela viessem a ter direito à coroa de Portugal, o rei D. Afonso IV (1291-1357), mandou assasinar a amante do filho. Este, louco de dor, ordenou mais tarde a morte dos assassinos, e quando subiu ao trono exigiu que fossem prestadas ao cadáver honras reais, afirmando que em 1354 tinha secretamente casado com Inês de Castro em Bragança.

Fernão Lopes deixou-nos esta descrição do funeral de Inês de Castro: “E para honrar seus ossos, pois mais já não lhe podia fazer, mandou construir um monumento de pedra alva, todo mui subtilmente obrado, pondo elevada sobre a campa de cima a imagem dela, com coroa na cabeça como se fora rainha; e este monumento mandou pôr no Mosteiro de Alcobaça, não à entrada, onde jazem os reis, mas dentro da igreja, à mão direita, junto da capela-mor. E fez trazer o seu corpo do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde jazia, o mais      honradamente que se pode fazer. Ela vinha numas andas, muito bem feitas para esse tempo, as quais traziam grandes cavaleiros, acompanhadas de grandes fidalgos e muita outra gente, e donas, e donzelas, e muitos clérigos. Pelo caminho estavam muitos homens com círios nas mãos, de tal modo ordenados que sempre o seu corpo foi por todo o caminho por entre círios acesos. E assim chegaram ao dito mosteiro, que ficava a dezassete léguas dali, onde com muitas missas e grande solenidade foi posto no monumento. Foi esta a mais honrosa trasladação que até aquele tempo se tinha visto em Portugal. Semelhantemente mandou o rei fazer outro monumento igual e bem obrado para si próprio, mandando-o colocar junto do dela, para que aí o deitassem quando morresse.”

Luís de Camões (1524-1580) evoca magistralmente n’Os Lusíadas os amores e o assassinato de Inês de Castro.