Viagem sem destino, roteiro sem mapas, talvez nada disso porque é muita a ilusão, mais ainda a fantasia, o que parece começo só um intervalo, passagem, anseio de chegada numa corrida sem meta.
Cada um com seu fardo, ele às vezes esquecido do que carrega, deitando mão ao sonho para poder continuar, não ceder à fadiga nem ao desânimo, fazendo das tripas coração, fingindo que vê, vive, tem desejos, funciona e participa, mas vazio por dentro, a desejar que alguém lhe sorria, toque, o tire do fundo de sombras onde se deixou cair e sente acorrentado, iludido de que teria força para se libertar, agora certo de que é seu destino a prisão sem grades, ele próprio o carcereiro.
Anos a fingir que procurava, sabendo que pouco haveria de encontrar na busca. Ou talvez fosse questão de coragem, esquecer mandamentos, ir aceitando quedas e tropeções, com o gosto de serem seus os erros, não ter de dar contas, libertar-se da camisa-de-forças da falsa vergonha.
Sabe que falhou mas tem paz, paz caridosa que o embala com momentos de perdão, vazios de memória que ajudam a compreender e suportar.
A calma em que o vêem é artifício, de mesmo também a sua cortesia, bons modos, sobras de atenção, disfarces que cedo aprendeu a usar e por vezes esquece, um instante perplexo ao dar-se conta de não saber quem é nem o que prefere.
Gostaria de apagar o passado, pôr fim ao desfile de silhuetas dos que foram de carne e osso, mas mesmo defuntos o atormentam. Tinha imaginado que não lhe mereceriam lembrança, e assim não é: a revolta muda em aceitação, deixando-o indefeso e desabrigado.