domingo, agosto 15

Perdeu o homem ganhou o cão

 

Náná é muito mulher deste tempo, mas não lhe venham com tretas de #metoo e guerra aos homens que será ela a defendê-los, deitando mão a quantos lhe caiam na simpatia e se mostrem capazes de satisfazer as exigências do seu corpo, que das da ­­alma e da bolsa cuida ela de sobejo, como prova o conforto em que vive e a independência que goza.

De si própria diz ser potro selvagem, daqueles que por mais que se lhes faça não aceitam freio ou sela, e ai do que contra a sua vontade lhe tocar, esse apanha um coice dos que doem no corpo e deixam na alma cicatriz que fica.

Levamo-nos um pouco mais meio século, não somos família mas temos uma relação de avô e neta desde o aniversário dos seus três anos, quando me escolheu para faz-tudo num circo de bichos e bonecos. Desde aí sou de vez em quando o poço de confissões que ela doseia em função do estado de espírito em que me imagina, sempre cuidadosa em não entrar bruscamente no assunto, de modo que habituado aos seus rodeios finjo uma paciência que não tenho, ela faz de conta que não era esse o propósito mas já agora confessa, e desviando de vez em quando os olhos entra a falar no caso sem falsa vergonha nem receio que eu lhe negue a absolvição.

Faz tempo deitou a rede a um militar e logo percebeu de que massa o sujeito era feito, mas depois de muito pesar prós e contras continuava incerta se as artes em que o D. Juan brilhava na cama compensavam os rombos que lhe dava na carteira e a sacanice do seu carácter. Porém, se duma maneira ou doutra tudo se arranjaria, o que sobremodo complicava o assunto era o cão. Tinha-o ele trazido como parte da bagagem, um boxer que parecia assustado de nascença, mas logo à primeira carícia se afeiçoou a ela de tal maneira que foi o que os franceses chamam un coup de foudre, e desde aí seria difícil decidir qual deles era a sombra do outro.

Consequência inesperada tinha sido que mal os via fechar a porta do quarto o Tyson  desatava a ladrar, a ganir, e deixá-lo preso na garagem não era opção porque lhe aumentava a fúria. Com o passar dos meses, somado esse contratempo aos desencontros da sensibilidade, às diferenças de carácter e do desejo, acharam ambos que tinha chegado a hora da despedida.

Náná foi generosa e julgando saldar a conta ia passar o cheque quando o pandilha saiu com o trunfo: o Tyson era dele, ia com ele, dissesse-lhe adeus.

Náná perguntou-lhe quanto queria, pagou, fiquei eu a saber que não é só para me fazer companhia que tantas vezes deixa o Tyson comigo.