segunda-feira, agosto 2

"Typiquement britannique"

 

 

"O costume era servir o chá às cinco em ponto. No salão, à la­reira, quando o tempo estava mau, e nos dias soalheiros no ni­cho que ainda existe na parede voltada para ocidente, donde a paisagem é sensacional.

Às quatro e meia lorde Peter acabava as suas voltas à piscina, secava-se, deitava a toalha em volta do pescoço e ignorando quem atravessasse o seu caminho subia a vestir-se.

Quando o relógio da igreja acabava de bater as cinco sur­gia irrepreensível num dos seus fatos de gosto anti­quado, flor na lapela, o monóculo entalado. Como num ritual beijava a mão de Madame , cumpri­mentava-me com um breve meneio de ca­beça, e antes de se sentar murmurava qualquer coisa incom­preens­ível, sorria e terminava com uma das tais gargalha­das secas que eram o seu distintivo.

Em seguida assumia o papel de cau­seur brilhan­te, tendo sempre preste um qualquer aconteci­mento, uma recordação ou uma anedota que nunca falhava em nos divertir ou fazer maravil­har.  

Eu não tinha então, aliás ainda hoje não tenho, uma pa­ciência por aí além com excêntricos. Pouco se me dá que as suas extravagâncias venham do hábito, dum desarranjo nervoso ou do desejo irresistível de fazer palhaçadas. Por isso não podia repri­mir um sentimento de irritação quando às seis menos um quarto em ponto, como se dentro dele funcionasse um cronómetro e vivesse uma bailarina, lorde Peter se levantava de súbito e, sem nos olhar nem se despedir, desapare­cia aos pulinhos.

Madame ria, achava aquilo typiquement britannique. Eu encolhia os ombros, desconcertado de que o mesmo homem, cuja inteligência e sensibi­lidade faziam dele um ser excepcio­nal, não fosse capaz de ter mão nas suas incli­nações grotescas."

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in La Coca