domingo, outubro 25

A praga do nome

De vez em quando vem um a perguntar se os pais o baptizaram Frank em homenagem a Frank Sinatra, aperto de que ele aprendeu a livrar-se com um sorriso e um encolher de ombros, deixando o outro na ilusão de que é essa a boa resposta e escondendo que durante uns três anos o seu nome foi na família razão de orgulho, mas a seguir um estigma que se apegara ao pai, o senhor Marcos, e mesmo depois do falecimento deste havia sempre alguém que não resistia a gracejar com o nome de Frank.

Dá-se o caso de que antes da Segunda Guerra Mundial já o senhor Marcos simpatizava com o nazismo, mas quando começou a negociar no volfrâmio e os alemães eram os seus melhores clientes, achou simpático dar ao recém-nascido um nome germânico. Quase certo que no Registo lhe mudariam o Adolf para Adolfo decidiu por Frank, mas em má hora o fez, porque com a derrota da Alemanha um nome assim era maldição, demorou vidas a que a coisa abrandasse, depois é que de longe a longe aparecia um ou outro a perguntar se tinha a ver com Sinatra.

Felizmente tudo passa e há muito que o seu nome deixou de ser um estorvo, ou pelo menos assim pensava, até que no café estavam a falar do Chega e o Abílio, que é da mesma geração, o apontou e disse que se havia ali alguém que simpatizava com o partido do Ventura de certeza era o Frank, porque ser da extrema-direita estava-lhe no sangue, já o pai tinha sido do Hitler e tão fanático que lhe pusera um nome alemão.

- Diz lá se não é verdade  – insistiu o "Perneta" apontando-lhe o dedo.

Sorriu e encolheu os ombros como de costume, não ia cair na esparrela nem entrar em discussões, de política sabe que de pais pra filhos são sempre os mesmos em volta da manjedoura, e se tivesse vontade de calar o "Perneta" lembrava-lhe as vezes que já mudara de partido. Mas não estava para se incomodar nem tinha vontade de discutir, menos ainda de se pôr a remexer o antigamente, ou lembrar o dia em que o pai entrou em casa numa gritaria e perdido do juízo quebrou o retrato do Hitler, meteu a tesoura na bandeira com a suástica, rasgou o que lá tinham guardado de propaganda alemã, por acaso até uma revista muito bonita, a "Signal", atirou tudo para o lume, disse-lhes que o primeiro que falasse a alguém naquilo levava uma carga de porrada que nem os ossos se lhe aproveitavam.

Tudo isso é do tempo dos afonsinos, como se dizia antigamente, ou devia ser, mas pelos jeitos em questões de raivas e políticas pouco ou nada muda, basta vê-los agora a acusá-lo de ser o que nunca foi.