Porque todos queriam ir
foram precisos três carros e a carrinha do Vagaroso, lá fomos então na passada
sexta-feira, dando mais ideia de que íamos para alguma festa do que ao hospital
de Bragança visitar o Lourencinho Vara (não é família nem conhece o outro
senhor, vai aguentando essa arrelia do nome) que depois de ter sofrido um
ataque cardíaco balanceara duas semanas entre a vida e a morte, mas felizmente
se encontrava livre de perigo, em condições de dentro em pouco voltar aos
paparicos da Dona Zé e ao convívio dos amigos, pois faltando ele não há boa
disposição, nada corre bem, as conversas murcham.
De verdade, se em cada
aldeia, vila, ou mesmo no país inteiro, houvesse fartura de Lourencinhos, estamos
certos que se notaria o benefício. Todos conhecemos gente boa, pessoas
dedicadas, prontas a ajudar, a acudir numa aflição, a discretamente fazer o
bem, mas muito poucos alcançam sê-lo da mesma maneira que o nosso conterrâneo:
por vezes com uma inocência de criança, noutras ocasiões deixando-nos
envergonhados por nos sabermos incapazes de irmos como ele acudir a certos
infortúnios ou a uma solidão.
Porque éramos muitos
pediram-nos que entrássemos só dois de cada vez, calhou-me a mim e ao Francisco
Santavalha sermos os primeiros. Fomos encontrar o Lourencinho sentado na cama, para
falar verdade alegrou-nos vê-lo com uma cara a que só faltava o bronzeado para
se dizer que tinha estado de férias.
Trocados os abraços, ele
contente de nos ver perplexos com o seu bom aspecto, contou que tinha ficado
preso à vida por um fio bem fininho, e tivesse a ambulância demorado mais dez
minutos não estaríamos ali a conversar. Graças a Deus tudo se passara bem, os
médicos esperavam que com mais uma semana lhe punham o pacemaker e podia voltar
a casa.
Foi então que de súbito o
vimos afastar o lençol, pendurar as pernas na borda da cama, olhando-nos com o
sorriso traquinas de quem aguarda uma reacção. Mas ao ver-nos calados e
perplexos, ele próprio ajudou: - Sabem vocês que as enfermeiras ficaram
espantadas quando cá cheguei? Disseram que
para alguém da minha idade tenho uns pés muito bonitos!
Aquilo era absurdo demais,
deixou-nos tão confusos que lhe desejámos as melhoras e nos despedimos à pressa,
com a desculpa de darmos vez aos outros.
Nessa noite falou-se do assunto,
porque ele contara o mesmo a todos, mas só o Santavalha tinha uma espécie de
explicação:
- O Lourencinho passa a vida
a fazer bem e as mais das vezes não lho agradecem. Mas irem agora gabar-lhe os
pés!