É uma
loja genuinamente antiga, com o desarrumo de tempos há muito passados, os
quatro ou cinco que lá cabem vão tirando das prateleiras e dos sacos no
chão aquilo que precisam, depõem-no no
balcão, pagam, e se não têm pressa fazem dois dedos de conversa com o
proprietário que, também à moda antiga, é o clássico e único faz-tudo.
Naquele
ambiente caseiro, sossegado e familiar, num momento em que ontem de manhã
éramos três fregueses, o estabelecimento de repente escureceu, porque a porta
por onde entra a luz – a diminuta janela pouco conta – estava tapada por duas mulheres
que hesitavam se entrariam ou não. Demorou, mas finalmente entraram, duas
estrangeiras que não podiam ser mais dissemelhantes na postura, ambas com
aquele ar que pode ser de confusão, mas algumas vezes é só do aborrecimento impaciente
de quem procura algo que não encontra.
Estas
tinham-no encontrado, e uma delas – metro e noventa, cara-de-pau, sinais de anorexia
– estendia o braço telescópico e ia tirando das prateleira e do chão o que
precisava (anotei três cenouras, uma cebola, duas bananas, duas maçãs, uma
embalagem de queijo, duas garrafas de água) que ia passando à companheira, também
cara-de-pau, mas roliça, metro e sessenta, e que as depunha no balcão.
Isso
feito ficaram ambas especadas. Sem um sorriso, um gesto, um movimento, um olhar, qualquer ruído, como se o lojista fosse uma máquina e
nós três sacos de batatas ou cartazes de publicidade. O lojista fez as contas,
mostrou-lhes o papel, a gorducha pagou, e com a mesma cara-de-pau ambas
desandaram, deixando-nos com a impressão de que não tinham estado ali, era como
se tivéssemos visto dois fantasmas.
Reparei que não comentámos, fomos por diante com as nossas compras, o que diz
bastante do sentimento em que nos deixaram.
A meio
da tarde encontrei-as na esplanada do café. Conversavam sem se encarar, e pelo
que ouvi eram dinamarquesas.
Nosso
Senhor as acompanhe, que voltem sãs e salvas para donde vieram e se deixem
ficar por lá, porque destas são as que tiram a alegria de viver e a vontade de
ser cortês.