quinta-feira, novembro 12

O Mateus



A mulher suporta-o mal, os filhos não o respeitam, a família de ambos os lados desdenha-o, amigos não tem. Na repartição o chefe atura-o, recordando que é irmão dum camarada da Guiné, mas a perguntar-se uma vez por outra como é possível ser-se tão azelha. Ainda por cima sempre trombudo, como se o mundo lhe estivesse em dívida.

Um ponto positivo lhe reconhecem: a amizade pelo cão. Para o animal tem ternuras que não se lhe suspeitariam, atenções e cuidados, preocupa-se quando o vê murcho, sofre se o supõe doente, compra latinhas de pâté que lhe dá a comer às escondidas com bichanices de solteirona.

Em geral evito-o, mas anteontem, na feira, não pude escapar e fomos tomar café. Conversa disto e daquilo, das castanhas que este ano são pequenitas porque não choveu, pequenitas mas muito saborosas, dos enxames que morrem sem que se saiba porquê. E sem transição, eu julgando que ainda ia falar de abelhas:

- Estou mal. É do pâncreas. No IPO disseram-me que não podem fazer mais nada. Dão-me dois ou três meses. No máximo.

Que palavras se dizem em momentos assim? Emudeci. Ele encolheu os ombros, forçando o que se assemelhava a um sorriso de desculpa.

- No outro dia telefonei-lhe, mas não atendeu. É que lá em casa a minha gente não gosta...

Deve ser qualquer misterioso sinal que emitimos antes das palavras, porque no momento em que hesitou eu soube o que ele ia dizer.


Dois ou três meses e temos o Mateus connosco.