Estávamos no patamar. Aquele momento confuso em que os amantes já deixaram de sê-lo. Quando foram ditas as palavras que ferem, e tudo terminou, só falta o adeus.
Custava-me vê-la partir, mas não posso negar que sentia um certo alívio. Embora por razões diversas, a nossa relação tinha sido um engano mútuo, e quando tentei beijá-la e ela afastou o rosto, senti-me desobrigado de cortesias.
Fechei a porta antes de ouvi-la descer as escadas. Acendi um cigarro. Sentei-me e o gato saltou-me para o colo. Acariciei-o, de repente sentindo-me culpado, recordando que ela era bem mais nova que as minhas filhas. Perguntando-me que reação seria a minha, se uma delas me viesse confessar que tinha por amante um velho como eu.
É facto que os pais, os outros pais, têm isso: são os últimos a saber e, se por acaso lho dizem, preferem não acreditar.
Mas, se lho dissessem, acreditaria o pai dela que, depois duns vagos telefonemas, me aparecera em casa, ofertando francamente a sua beleza, o seu corpo, o carinho, o alegre desvario da juventude?
Forçara a entrada na minha vida, umas vezes mentindo descaradamente, outras contando meias-verdades, fazendo confidências que eram verdades sonhadas, criando-se um papel de personagem principal no romance da sua fantasia.
Fui cru, quando a desiludi. Chorou, mas nesse momento não me comoveu.
Depois sim, já com remorsos enquanto acariciava o gato. Imaginando-a triste, deitando-me culpas. Dizendo-me, a modo de resgate que, para os seus dezanove anos, eu seria apenas um episódio que se esquece. E ela, para mim, uma das tantas ocasiões que se perdem e não voltam.