Tem. Engenheiro de profissão, correu mundo, trabalhou em mais partes do que as que consegue recordar e, belo homem que foi, perdeu a conta de quantas mulheres entraram na sua vida. Dessas casou com quatro, e aquela que realmente amou, faleceu. As restantes aborrecem-no com exigências de aumento da pensão alimentar.
Conhecemo-nos por acaso em São Paulo, nos anos cinquenta, e a simpatia permanece. Une-nos também o interesse pela História, por computadores e pela internet, talvez porque ambos vimos do tempo em que mesmo o rádio era maravilha.
Encontramo-nos uma vez por outra no seu café, onde chega por volta das seis. De táxi, porque as pernas já não aguentam os trezentos metros da caminhada. Bebe ele duas ou três “cabeçadas”, fico-me eu pelo copo de tinto. (*)
Ontem, rememorando uma tumultuosa peripécia da sua vida, surpreendeu-me o modo sombrio como em certo momento disse: “No passado, quando me zangava com alguém, havia nessa zanga um certo respeito. Actualmente recuso zangar-me com quem quer que seja. É uma forma de desprezo.”
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(*) A fotografia (©Ad Nuis) não se relaciona com o texto, ilustra apenas a maneira como se bebe a “cabeçada” (kopstoot em holandês), começando pelo cálice a trasbordar de genebra e alternando com cerveja.
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