Veio visitar-me com o pretexto de que não nos víamos há tempos. Conversámos sobre o calor, sobre a rapidez com que os anos passam. Em vez de um segundo copo de vinho branco que lhe ofereci, disse que se eu não me importava preferia cerveja. E como se a minha breve ausência na cozinha o tivesse encorajado, quando me voltei a sentar perguntou-me à queima-roupa se eu já tinha sofrido de impotência.
- Felizmente não. Ainda não.
Os sintomas começara ele a senti-los há muito, mas diminutos e irregulares demais para lhe causarem preocupações. Dizia-se que talvez fosse cansaço, alguma indisposição, a consequência dos saltos de humor a que ninguém escapa ou, sabe-se lá, o primeiro sinal do pêso da idade. E num compreensível reflexo de auto-defesa, mal o sintoma passava esquecia a ameaça. Até ao dia em que teve de enfrentar a realidade.
Com o choque da constatação veio o pânico, o sentimento de desvario de que o mal que o atacava não se limitava ao sexo, mas abrangia uma parte maior do seu corpo, lhe tocava aqui e ali o espírito. Fisicamente tinha a impressão alarmante de ter sido amputado, mas pior ainda era a ausência total de sensações.
O médico auscultou-o, provocou reflexos, fez perguntas pertinentes, apertou-lhe a barriga, percutiu nas costas, arrepanhou-lhe as pálpebras, examinou-lhe a boca.
Assim à primeira vista não descobria causa física ou orgânica e por isso, disse, ia remetê-lo ao urologista. Sabia ele que muitas vezes a impotência tinha uma origem psíquica? Sabia sim, mas o sabê-lo não era conforto, antes aumentava a sua preocupação.
No hospital o urologista anotou distraidamente os dados pessoais, perguntou-lhe se sofria de qualquer doença, se tomava drogas, se fumava, se bebia em excesso. A tudo que não.
- E como está a hidráulica?
- A hidráulica? - O homem teria endoidecido?
- Sim, a hidráulica, a tubagem do aparelho. A erecção matinal funciona?
- Às vezes.
- Óptimo. Então não se preocupe, isso vai passar - e sem mais tinha-o despedido.
Bebemos em silêncio, mas se bem compreendo a expressão do seu rosto ele espera a minha pergunta:
- E então, passou?
- Não sei.
- Não sabes?
- Não. Não me atrevo a tirar a prova.