domingo, janeiro 12

O ramerrão e a cautela

 

Quando nalgumas situações é grande a probabilidade do tropeço, mais urgente se torna descobrir maneira de o evitar ou, caso essa falhe, fazer de modo a limitar os danos.

Contudo, para nosso mal e prejuízo, se a pseudo-sabedoria acima pode valer para momentos como o de atravessar a rua fora da passadeira, esquecer a panela ao lume, ou sair de casa deixando as chaves penduradas na porta, é duvidosa a sua eficácia no ramerrão do dia-a-dia. Tanto mais porque, embora alguns vivam horas de febril actividade, mesmo esses não escapam a perguntar-se por que tem de ser assim, se não haverá maneira de resolver, ou modificar, o que parece imutável.

Nesse imutável entram umas quantas, embora raras ocasiões, a que se poderá escapar uma vez por outra, mas são implacáveis na exigência do regresso à rotina. Higiene, horas de sono e repouso, a alimentação, as funções do corpo, só essas já encheriam a lista, mas há ainda como que os anexos do que implica a vida em sociedade.

Não se aceita – aliás é imprudente – o desvio aos usos, costumes e atitudes a que, por exemplo, obriga o entrar com outros no ascensor do prédio onde se mora. Esse ramerrão conta igualmente – talvez até mais - na rua de um bairro em que todos os vizinhos se conhecem. E nele há que incluir as circunstâncias da vida numa aldeia, pois aí o ramerrão toma como que uma importância de decreto-lei, sujeitando o transgressor a ter de explicar e justificar uma mudança de hábito ou comportamento. Caso contrário, arrisca-se a que o  sujeitem a um mesquinho, mas sempre aborrecido, e muitas vezes duradouro ostracismo, que pode ir do olhar vesgo ao extremo de lhe negarem a fala.

De modo que assim, também no ramerrão é válido o provérbio: cautela e caldos de galinha não fazem mal a ninguém.