De vez em quando já nem é sensação de aborrecimento, mas uma forma de vazio, que de modo instinctivo criamos, na esperança de que o poderemos encher se despejarmos nele as banalidades do dia.
As da nossa vivência talvez bastassem para encher três quartos, não fosse dar-se o caso de que em toda a parte, e a cada momento que afastamos atenção do que nos ocupa, seja ele trabalho, estudo, diversão, quase de imediato a banalidade vem ao assalto.
Insidiosa e constante, ataca-nos em permanência na rua e na televisão, nos jornais, no telemóvel, no contacto social. E como não há filtro que a limpe, travão capaz de fazê-la parar ou raio que a parta, o remédio é conseguir uma paciência igual à que se supõe terem os santos.
Uma vez por outra, sendo boa a disposição, ainda é possível alcançar algo que se assemelhe a essa já mais que rara virtude. Infelizmente, como se costuma dizer, no dia-a-dia “outro galo canta”, e é então que a paciência toma qualidades de metal raro.
No triste, trágico e malfadado tempo que agora vivemos, a banalidade adquiriu, e provavelmente vai manter, como que um refinamento dos maus efeitos que provocava. E o ficarmos de imediato ao corrente do que na nossa rua e no mundo acontece, pode ser tomado como um inegável benefício, mas em ocasiões sem conta é também uma muito incómoda e banal intromissão.
São setecentos, oitocentos mil, talvez milhão e meio os que já morreram na guerra da Ucrânia? Talvez outros tantos ou mais os que lá vão morrer? É banal e logo esquecida a notícia de uma tragédia assim. São os bandos de criminosos quem manda no Haiti? Vê-se, lê-se, encolhemos os ombros.