“Não é evidente que bárbaros se encontram à nossa porta, mas vivemos cada dia, quais adolescentes de beicinho trémulo, como Rómulo Augusto, o último imperador romano do Ocidente, pouco mais que um fedelho derrubado por Odoacro e mandado para casa com uma palmada no rabo. Sem limites, criámos um mundo infantil que choraminga, se irrita, atira raivosamente os brinquedos para o chão, pronto para sorrir ao próximo presente, à próxima bugiganga.
Não resta qualquer vestígio de direcção, apenas aquele puro e cego acaso que os Gregos temiam mais do que a guerra: navegar à vista por entre escolhos, uma soma trivial de acontecimentos fortuitos de que ninguém é responsável.
Eis a incapacidade de decidir e, portanto, a submissão definitiva aos caprichos da sorte e do destino: os gregos chamavam Ἀνάγκη (Anánkê) à perda do heroísmo humano, à necessidade de obedecer ao que acontece, sem poder escolher.
A resignação, as dificuldades, as
escolhas forçadas têm todas a mesma origem, a ausência de esperança. Quando ela
morre, abre espaço à necessidade, à inescapável necessidade de ser e não poder,
porque não pode haver futuro para lá do cenário obrigatório; porque, de tão
constritos, os limites do espírito ficaram demasiado próximos, e, o sonho, a
imaginação, de repente, impossíveis. Na asfixia da necessidade, apenas uma arma
pode dispersar ar por galerias vazias – a esperança. Até na tragédia grega pôde
viver, ainda que por pouco tempo, a força da esperança, pois apenas ela concede
poder aos homens. Sem conceber um futuro, a humanidade não pode agir, ser,
porque são as nossas projecções que moldam o presente e a cada balanço do
pêndulo que a todos consome, silva no ar a esperança, a última deusa, a nossa
última deusa antes do caos.” AQUI