terça-feira, novembro 17

Mais uma vez "A Luz de Pequim"

Estevais,  sábado,14 de Novembro

Meu querido Francisco,

Anteontem à noite cheguei ao fim. Por volta da página quarenta comecei a fazer uma coisa que há vidas não acontecia: parava, relia, dobrava a folha, de maneira que o meu volume é menos apresentável, mas sei que muitas vezes irei voltar a esta e àquela cena, àquela descrição, ao Porto da minha infância e até, veja lá, a aventuras da minha vida adulta, a menção daquele Sorenssen a fazer-me recordar a visita que fiz a outro do mesmo nome e da mesma família, levado por António Dacosta – pintor açoriano e personagem de romance -  a Genebra, onde o brasileiro tinha uma empresa espectacular, tão chique que exclusivo para ele, patrão, havia um salão de cabeleireiro com barbeiro e manicura em atendimento permanente.

Mas adiante e voltando ao romance: dobrei as folhas em muitos diálogos, naqueles apontamentos em que duas ou três palavras fazem um retrato, e também quando me enterneci ou assustei com as passagens que mostram a feiura e fraqueza do ser humano.

Muito importante para mim leitor, e ao mesmo nível da superior qualidade do estilo e da riqueza do vocabulário, é um romance escrito por alguém que tem mundo, sabe do que fala, desconhece fronteiras, mas ao mesmo tempo se dá tão íntimo e familiar que deixa o leitor na ilusão de que se lhe apetecesse também ele seria capaz de fazer assim. Não seria, mas isso são outros quinhentos mil réis, e sei do que falo.

Li com inveja e admiração, porque A Luz de Pequim é de longe o melhor romance que independente da língua e em muito tempo – arrisco-me a dizer anos – me veio às mãos, também o único romance em que pela primeira vez depois de vidas reencontrei a beleza e riqueza do nosso vocabulário, relendo passagens pelo gosto da musicalidade e da ternura de certas palavras. Também pela primeira vez, depois de tanto tempo que não tenho ideia de há quantas décadas isso aconteceu, fiquei triste ao chegar ao fim, senti-me defraudado na excitação, foi igual ao The End dos filmes da minha juventude.

Saiba que muito mais e melhor saberia dizer sobre o que o seu romance me fez e a admiração em que me deixou, mas aceite que pare aqui, não vá eu correr o risco de que me tome por louvaminheiro.

Com um abraço grande e um xi-coração para a Magda, que muito merece a dedicatória.

José