domingo, novembro 8

As miúdas do tutu e do bastão

Contar um caso verídico pode ser perigoso se nele houver matéria que possa tocar na reputação ou no interesse alheio, se bem que inventar um não seja menos arriscado, pois se por coincidência ou tara alguém sentir que aquilo lhe diz respeito, a probabilidade é grande que apareça a pedir contas.

Todavia, se o caso der uma boa história, raros  deixarão de lhe pegar, mais ainda se daí lhes vier benefício ou renome. A dificuldade, porém, está em conciliar as opiniões, pois o que Pedro acha interessante vê-o Paulo com um aborrecido trejeito, de modo que será cada um a ajuizar por si sobre o que faria.

Era uma cena num livro, esquecera qual, mas que agora a entrar na velhice, sem parentes nem aderentes, menos ainda amigos a quem desse confiança, se lhe tornara obsessiva a ponto de em certas noites de solitude quase ceder à tentação de telefonar a uma dessas raparigas dos anúncios e oferecer-se ao vivo o que lhe torturava a fantasia.

Com o telemóvel na mão, indeciso, cerrando os olhos, imaginava-a a  entrar, fazia uma pausa para a parte do pagamento, mostrava-lhe os adereços que tinha espalhado na mesa e depois, ambos no sofá diante da televisão, passaria um vídeo daquelas raparigas muito decotadas, de micro saia, plumas, e a agitar bastões que na América aparecem a alegrar os desfiles e os campeonatos desportivos.

Talvez ela estranhasse quando lhe dissesse que não queria sexo, só aquilo, e se conseguisse fazer tudo à perfeição, os passos de dança, o sacudir das ancas, as pernas atiradas ao ar, as maminhas aos saltos, pagaria duas horas em vez de uma, poderiam até combinar que fosse uma vez por semana.

Por fim decidiu, fingindo que se repreendia, mas numa excitação de garoto marcou o número e começava já a arrepender-se quando ouviu que alguém atendia. Voz simpática, jovem, despachada no modo e na transacção, só que infelizmente não poderia ser às quatro, a essa hora ainda estava no escritório, só depois do jantar.

Tinham combinado para as nove e passariam poucos minutos quando ouviu a campainha e foi abrir, a respiração suspensa, um sorriso de tímido, desajeitado nas boas-vindas, a rapariga a olhar em redor com um  modo de apreço, fingindo que o não via estender-lhe o dinheiro, de súbito interessada nos apetrechos e a segurar o bastão.

- Aviso já que não faço porcarias!

Foi como se lhe tivesse dado uma síncope ou a vergonha o paralisasse, ficou especado, sem voz, só recorda que a rapariga lhe perguntou se ainda queria e depois a viu sair.