- Já lhe disse que estou de folga. Para a semana posso atendê-lo, hoje não.
- Mas eu deito sangue, senhor doutor, há quatro dias que as fezes... Sempre com sangue... E umas dores aqui...
O homem aponta o ventre. Cinquentão, ar de amigo da noite e dos copos, o médico vira-lhe as costas e sorridente, braços abertos, apressa-se para a quarentona que se encostou à mesa da recepção numa pose estudada.
Loiraça, bem feita, os tacões sobem-na ao metro e oitenta. Ele, que não lhe chega aos ombros, prende-a pela cintura às mãos ambas, naquele jeito que as crianças no infantário se agarram às pernas da mestra.
- Então! Bonita como sempre! Cuba fez-lhe bem!
Ela curva-se, sussurra qualquer coisa que provoca em ambos uma gargalhada, ele replica puxando-a para si, empurra-a depois num fingimento de zanga, caminham de braço dado para um gabinete.
A menina da recepção adivinha a minha pergunta e franze os lábios:
- É a delegada médica.
O homem toca-me no braço: - Ouviu o que ele disse? É o meu médico de família e que só para a semana é que me atende! Então que faço?
- Foi à Urgência?
- Já fui, e lá disseram-me que fosse ao médico de família! Então que faço?
Ajuda não tenho para lhe dar, nem encontro palavras de conforto.