À quarta-feira há mercado no bairro. Talvez por isso a farmácia ontem estava cheia de gente e teria de esperar, mas só quando tirei o número me dei conta que havia vinte e seis a atender antes que chegasse a minha vez. Felizmente há por ali bancos corridos, mesas com jornais, mesas com brinquedos para as crianças, televisão (o som baixinho) a passar filmes da Natureza.
Sentei-me no único lugar livre, entre uma mestiça de vinte e poucos anos e uma espécie de gigante que ocupava o lugar de dois, com a musculatura que se supõe em homem da construção ou estivador de antigamente.
Ele sorriu. Eu sorri. A rapariga, coquete, espelhinho em riste e desatenta do que a rodeava, corrigia imperfeições que, a piscar e a franzir, ia adivinhando, ora nas sobrancelhas, depois nas pestanas, e nos lábios, e de novo nas sobrancelhas, e de novo nas pestanas...
Atento ao meu observar, o gigante voltou a sorrir. Com o queixo fez o gesto de quem aponta, e só então reparei de que a jovem usava umas incríveis unhas postiças. Ridículas no exagero, rectangulares, pintadas de esmalte branco, aí de quase três centímetros, mesmo as do mendinho e do polegar.
Encolhi os ombros.
O gigante, deu-me uma cotovelada a acompanhar o riso, sussurrando:
- Como será que essa...
Infelizmente, estou cada vez mais surdo e ele, compreendendo, repetiu alto:
- Como será que essa limpa o...
A gargalhada dos que estavam perto foi simultânea com o resto da frase.
Indiferente ao mundo, perdida na sua vaidade, piscando, franzindo, o espelhinho virado para aqui e para ali, a rapariga continuava imperturbável o seu fazer.