O rádio entrou na minha vida no Outono de 1939 e durante os anos da adolescência foi uma mina de encantos. Com ele descobriria o mundo, com ele aprendi mais do que em qualquer escola: música clássica, debates, reportagens, conferências, mesmo que o quisesse seria impossível fazer o balanço do proveito que me trouxe.
No começo da década de 50, porém,quase que subitamente me desinteressei dele. A pressa de viver e ir pelo mundo não se compadecia com a atenção estática. Fora isso havia o jornal, com a vantagem de ser portátil.
“O Primeiro de Janeiro” fazia parte da mobília desde o princípio, ir ao quiosque comprar o “Janeiro” era um ritual que vinha do meu avô paterno, recortavam-se nele os folhetins que depois, perfurados e atados com cordel, seriam dos primeiros livros que li.
Recordação melancólica, a dos gritos dos ardinas. “Olh’ó Janeiro! Olh’ó “Comércio!” No Porto, em Viana, depois em Lisboa, para mim o jornal era tão importante como o comer. “Olh’ó Notícias! Diário Po’plar! Olh’ó Séc’lo!”
Na Paris existencialista, jornalista encartado, agravou-se-me o vício. Os jornais da Pátria desapareceram do meu dia-a-dia, entraram nele os franceses e os brasileiros, de vez em quando o Times e o New York Times, para fazer chique e facilitar o contacto com a fauna nórdica das mocinhas au pair. L’Express e Les Cahiers du Cinéma, ambos um must.
Debaixo do braço ou enfiado no bolso, a tinta do Le Monde sujava os casacos e os impermeáveis, marca simultânea de desleixo boémio e supremo desdém pelas regras da burguesia.
Nos meus hábitos a televisão demoraria a suplantar o jornal, mas até meados dos anos 80, em quatro línguas, ainda lia quatro diários e outros tantos semanários. A partir daí o entusiasmo foi abrandando, passei a gastar mais tempo com a têvê do que com a imprensa.
Em 1987 comprei o meu primeiro computador, hesitando entre um Apple Macintosh Plus e um PC Amstrad. O Apple era mais bonito, mas tinha o aspecto e as dimensões de um brinquedo, enquanto que Amstrad eram duas caixas de meter respeito. Optei por ele. Seguiram-se anos de miséria a decifrar os códigos do MS.DOS, as bizarrias de WordPerfect (wysiwyg). Tortura foram também os começos do correio electrónico, só possível quando ambas as partes usavam programa idêntico. Mas que festa!
Por volta de 2003 a internet conseguiu o que o Diabo tinha falhado: tornar-me possesso (ou quase). Jornais e semanários só já tenho um de cada. Escrevo “tenho” porque de facto mal os leio, deito uma vista de olhos aos títulos e às fotografias, pois o que lá encontro de notícias é de ontem ou da semana passada.
O jornal sobremodo me irrita, porque além dos longos comentários com muita parra e pouca uva, desde há tempos oferece (ao que isto chegou!), juntamente com as tradicionais receitas de culinária, receitas para aprender a ser escritor.
As cartas a terminar as assinaturas estão escritas, os envelopes fechados, daqui a nada vão para o correio.
Assim se encerra uma era, iniciada por volta de 1935, quando meu avô, abrindo o “Janeiro”, me ensinava a soletrar.