domingo, outubro 18

A Fi no Facebook

Foi há mais de meio século, um pedido que não podia recusar, e assim me vi uma manhã junto da pia baptismal de uma igreja a desempenhar o papel de padrinho. Obedecendo às instruções que tinha recebido disse que a bebé receberia o nome de Josefina e do que depois aconteceu não guardo lembrança, mas quando a miúda chegou à adolescência ganhou o hábito de me recordar o seu aniversário e a obrigação do presente anual que cabe aos padrinhos.

Veio de seguida o convite de apadrinhar o seu casamento, honra que declinei, não só porque o noivo me desagradava, a alcunha de "Pega e foge" dizia muito e o pertencer à família dos "Camarinhas" era todo o contrário de um brasão de respeitabilidade.

Os anos passaram, de vez em quando ouvia ecos da vida da afilhada, três vezes casada outras três divorciada, mas embora nunca mais nos tenhamos visto, quis o destino que por vias travessas recentemente me chegassem notícias dela trazidas pela Clarice, uma sobrinha que, resumindo, contou que a Josefina há anos dá pelo nome de Fi, vive com o senhor Vasco da garagem, mas dão-se mal, continua a fumar muito e de vez em quando ainda se entorna. Disse também que me daria pena vê-la, porque a rapariga bonita que tinha sido era agora uma mulher disforme de gordura, dia e noite agarrada ao computador, não que soubesse utilizá-lo, mas tiranizando outra sobrinha, a Cláudia, ambas drogadas no Facebook e no Instagram. Pelo que compreendi passam o tempo na busca de conhecidas e desconhecidas que de uma maneira ou outra lhes apeteça insultar, inventando então escândalos, fazendo ameaças, sugerindo malefícios, denunciando com meias verdades.

A Fi é o cérebro mas quase analfabeta, handicap que compensa com doses duplas de veneno e invenções de tarada, ordenando à sobrinha que procure no Facebook esta ou aquela, não importa se conhecida ou estranha, e vá de insultar, de ameaçar, garantindo que lhes sabe os podres, as dívidas, as cornaduras, os desmanchos, as fraquezas da bexiga, os calotes que pagam abrindo as pernas.

Recebem insultos e ameaças, mas contou a Clarice que não lhes faz mossa, quanto maior for a zaragata mais elas gozam, receio só têm do senhor Vasco, que se chega arreliado e não vê a ceia pronta ameaça que um dia destes lhes parte o brinquedo. Receio sim, mas medo nenhum, porque se ele se atrever estragam-lhe a televisão e não vai ser como da outra vez quando só desligaram a tomada. Hão-de dar cabo do aparelho e o unhas-de-fome que vá ao café ver o jogo e as deixe em paz.