sábado, fevereiro 25

O poder do Além (continuação)

 

O marido serviu-lhe o melão, cortou a fatia em pedacinhos que ela começou a comer de olhos cerrados, hipnotizada.
– Imaginem vocês que a missão é de tal ordem que ela teve de aprender russo. Aprendeu em dois meses! Língua dificílima! – e acariciando-lhe a cabeça: – Diz umas palavrinhas, bem.
– Não. Agora não.
Cardoso explicou, baixando a voz:
– É para não perturbar a sessão, sabem vocês. Vera neste momento é várias pessoas ao mesmo tempo, está encarnando, e até pode ser que eles se manifestem. Repara na expressão. Que é, bem? Está querendo alguma coisa? Fala.
– Me dá mais melão – pediu ela numa surpreendente voz de barítono.
– Outra vez?
– É. Me dá essa fatia toda.
Passava da meia-noite quando se despediram, ela sonolenta e inconsciente, Cardoso insistindo que na primeira oportunidade os visitassem em Ibiquí.
– Lindíssima praia!
– Adeus!
– Adeus!
Ficou a acenar até o táxi desaparecer e quando voltou à sala já tinha desfeito o nó da gravata, deixou-se cair no sofá com um grande cansaço, desatou os sapatos. Quem haveria de dizer! Cardoso pregando espiritismo! A vida era um sem-fim de surpresas, bem sabia, mas francamente!...
A mulher saiu da cozinha, furiosa, atirando com a porta, resmungando que a empregada voltara a esquecer a água.
– Luísa! Pelo amor de Deus! Você me disse!
– Não, Aniceto! A água do papagaio, eu lhe disse. Mas agora foi a água quente! Ela esqueceu outra vez de ligar!
Parecia incrível que a dor de cabeça resistisse às aspirinas que tinha tomado. Quatro ou cinco. Efeito nulo. E a mulher diante dele a enumerar pelos dedos os esquecimentos da em-
pregada, uma alsaciana trombuda que não podiam despedir, porque um dos seus predecessores, em maré de generosidade, a tinha nomeado para o quadro com equivalência de escriturário letra A.
– Eu falo com ela, Luísa. Amanhã antes de sair eu falo. Mas agora me deixa em paz.
A campainha do telefone fê-los sobressaltar e ela precipitou-se aflita para o aparelho, no outro lado da sala:
– A esta hora só pode ser mamãe! Aconteceu desgraça! Minha Nossa Senhora!
Era o Cardoso e ela passou-lhe o aparelho:
– Alô! Aniceto?
– É.
– Você desculpa. Têtê queria avisar uma coisa, mas es-
queceu. E pediu para eu telefonar urgente. Ela diz que essas dores de cabeça que você tem...
– Dores de cabeça?
– Certo. Têtê sentiu em você um grande sofrimento. Diz que é seu guia.
– Meu quê?
– Seu guia espiritual. Ele está fazendo força para encaminhar, para mostrar, mas pelos jeitos você não compreende.
– E então?
– Têtê diz que a única coisa é você se entregar ao poder do Além.