Umas quantas centenas de pessoas, sala
cheia, vai ser apresentada uma nova e providencial dieta, adaptada às diferenças
dos grupos sanguíneos.
Poucos os jovens, o resto quase que em partes iguais homens e mulheres,
anciãos, gente na meia-idade. Estou ali por curiosidade, mais para observar do
que participar, divertido com a expectativa que leio nos rostos. Nalguns é aparente a preocupação que lhes causa a saúde;
outros, de faces crispadas e lábios apertados, parecem aguardar sentença; uns
quantos dão as gargalhadas estrídulas que denunciam o nervosismo.
Há um estrado, por detrás um quadro negro como nas escolas, uma mesa aonde se
vão sentar dois sujeitos. Um, com o físico, a aparência, o charme de movie
star, apresenta-se como médico e expõe de maneira plausível a sua teoria. O
outro, género de profeta , tem
uma barba grisalha, o pescoço enfeitado por não sei quantos colares, brincos
nas orelhas, e embrulha-se numa curiosa vestimenta de seda. Quando se levanta
para desenhar no quadro o diagrama da relação ying e yang entre os vasos sanguíneos
e os alimentos vejo que anda descalço.
Fala de Lao-Tsé e de Tao-te-ching, a sua misteriosa obra. Fala de Chuang-Tsé, o
filósofo que viveu no século IV a. C., e de Chi-tching, o livro de oráculos,
onde se explicam as regras de como respirar para atingir o equilíbrio que
mantém a saúde, e se ensina o uso das plantas medicinais que aumentam a
vitalidade. Nesse livro, os fiéis mais devotados podem aprender a dominar as técnicas
que permitem a levitação.
O guru expõe, o público ouve-o embasbacado e por vezes rompe em aplauso, eu mal
consigo manter os olhos abertos.
A sessão termina duas horas depois. Um grupo de raparigas simpáticas e
sorridentes empurra carinhosamente o público para um balcão onde se vendem
livros, ervas, suplementos minerais em caixas, vitaminas em frascos, boiões de
cremes, e se determina grátis o tipo sanguíneo de cada um.
Fico a saber que o meu é AB positivo e vou-me dali com um saquinho de chá e um
livro de técnicas da respiração e regras de sapiência. Desaponta-me não
encontrar nada sobre o que os chineses poeticamente chamam «o planar em liberdade ao sabor do vento».
Levitação! Disso é que eu gostava.