domingo, outubro 9

O "Meia-Foda"

 

Quem o não conhece e ouve falar dele, engana-se se julgar que a alcunha do Rui B. Gomes, “ O Meia-Foda”, tem a ver com uma diminuta estatura ou debilidade da sua descendência, pois nesse particular é todo o contrário: o Gomes olha-os do alto do seu metro e oitenta e dois, e ambos os rapazes que gerou vão pelo mesmo caminho.

A alcunha puseram-lha na universidade, onde estudou Astronomia, mas não devido a qualquer fraqueza das suas capacidades intelectuais, pois nelas era bastante acima do mediano, sim pelo tique de parecer incapaz de completar um raciocínio, ou expor um assunto com princípio, meio e fim. Desse modo dá por vezes uma irritante impressão de arrogância, felizmente imerecida, mas da alcunha nunca mais se livrou, e é por ela que os colegas de então e os amigos ainda se lhe referem.

Embora nas últimas décadas tenham sido grandes, por vezes radicais, as mudanças dos usos e costumes, muito há que continua igual desde que os humanos descobriram a fala, e com ela as possibilidades da bisbilhotice, que hoje em dia, graças aos meios de comunicação instantânea, pode ir da gentileza à mais odiosa maldade.

Assim aconteceu que num chat em que por acaso acabara de entrar, a Rita, dedicada e fiel esposa há duas décadas, paralisou ao ouvir a Marta referir-se ao Rui como “O Meia-Foda”.

O choque foi de tal ordem que lhe cortou a respiração, incapaz também de parar as tremuras que lhe sacudiam o corpo, a cabeça a fervilhar de recordações, temores que de súbito pareciam fazer sentido, pois de facto não era o marido romântico com que sonhara. Além de que na cama, embora fosse pouca a sua experiência de solteira, nunca ele se tinha mostrado amante fogoso, antes o avesso, o que pelos jeitos outras sabiam, daí a alcunha. Uma vergonha! E de certeza era assim que falavam dela: a Rita, a mulher do “Meia-Foda!”