Sem ser o que
se chama um bicho-de-buraco, também me não posso considerar medianamente
sociável, pois fora possuir uma capacidade limitada para o convívio, a minha
paciência suporta mal a maioria das conversas.
Francamente, não me interessa saber o que este e aquele ressentiram ao visitar
as Pirâmides, ou qual é agora o preço do capuccino nas esplanadas dos Champs-Elysées. Menos ainda que na praça
de São Pedro, com vinte e cinco mil outros, tenham recebido a benção do Santo
Padre. Que a sogra tenha sido operada a um quisto no pescoço ou que, devido à
escandalosa subida dos preços, já não valha a pena comprar casa de férias na Dordogne.
De visitas são poucas as que gosto, mas os jantares, que sempre me foram um
momento agradável do dia, nalgumas ocasiões, e com certos convivas, estão-se-me
a transformar em martírio.
Fadiga da idade, impaciência inata, o caso é que as mais das vezes, depois de
horas à mesa, não consigo evitar que o meu rosto revele o aborrecimento, que os
olhos procurem o vazio, o cérebro se me enevoe e a língua recuse participar na
conversa.
Transformo-me num macambúzio anfitrião, o que pelos jeitos não afecta esses
hóspedes. Indiferentes ao meu humor, eles continuam a contar do Papa e da Dordogne, e do quisto, e da má qualidade
da hortaliça, e do que viram ontem na televisão. Incansáveis, repetem as
Pirâmides, o preço do cappucino, recordam a pontada que uma vez lhes deu
à saída do teatro, remoem os seus pequeninos interesses. Mostram as botas que,
regateando, compraram em Lisboa por dez réis de mel coado. Desfiam com minúcia
as razões da queda do índice da Bolsa...
Duas, três, quatro, as horas arrastam-se, a minha cabeça oura, revira-se-me o
estômago, falta-me o ar. Sinto-me exausto, derreado pelo contraditório esforço
de permanecer cortês e disfarçar a misantropia.