quinta-feira, abril 14

Rive Gauche

 

Podia ter-me acontecido, mas tive a sorte de que em determinado momento boa fada virou a roda do leme e fui noutra direcção. Porque também eu conheci a boémia dos quartos de hotel da Rive Gauche nos anos 50, quando brevemente se viveu a ilusão de que a liberdade tinha finalmente chegado e o mundo se ia compor.

A maioria salvou-se ou fugiu, uns quantos levaram a sério a ilusão e tornaram-se folclóricos, como Albert Cossery (1913-2008) que recordo sentado no Flore, imóvel que nem esfinge,  pose de grand seigneur, excelente escritor,  mas cravando amigos e conhecidos, seis décadas a viver num quartinho de hotel que, sim, são românticos quando há pouco nos rompeu a barba.

Trocou o Cairo por Paris aos trinta e dois anos, mas apenas escreveu sobre o seu povo, bizarria que com ele partilho, como se, mesmo longe, a alguns de nós seja impossível escapar ao enlace das raízes.

Os acontecimentos levam a agora a que alguns, como antes fizeram com Naguib Mahfouz, procurem nos livros de Albert Crossery, na literatura, explicações para a violência e o desatino dos povos. É procurar em vão.