sábado, abril 2

Porque eu próprio sou o passado

Por mim evito-o, faço-o a contragosto quando mo pedem, sei por experiência que falar do antigamente resulta em conversa de surdos. 

A quem nasceu, digamos, nos anos sessenta, não há modo de explicar a vida nas três décadas anteriores. Foi colossal a mudança, são abissais as diferenças, parece história da carochinha o falar de um tempo em que a rádio e a telefonia eram privilégio de muito poucos, a televisão inexistente, a internet um sonho de mágicos; um tempo de biplanos diminutos recobertos de lona, o aviador a acenar; de cegos nas esquinas cantando histórias de mortes e milagres; de aguadeiros, almocreves, recoveiras, carrejões, amoladores, fogueiros tisnados, oficiais de pingalim e boldrié, soldados com patronas. E tanto mais.

Agora a prova dos nove: que, até de sobra, você é pessoa interessada e curiosa do passado, não duvido; mas além de pouco lhe dizer o que acima fica, aposto que não irá ao dicionário, ou ao Google, em busca do significado dos dois, talvez três, vocábulos que desconhece.