segunda-feira, abril 25

O salvador

Conheci o capitão sem barriga e sem barba, depois com barba à Che, mangas arregaçadas, uniforme de camuflagem, botas de paraquedista.

Visitei-o num rés-do-chão em Benfica, e quando a Revolução tinha ano e meio num belo apartamento dos altos do Restelo. Felicitei-o pela promoção a general, benesse que há muito aguardava e no seu pensar merecia pelos - palavras suas – "relevantes serviços prestados à Pátria e à Revolução".

Gosta de mostrar fotografias desse "incrível momento". Não se distingue bem, mas diz que é aquele ao lado do Jaime Neves. Ao lado do Chaimite também é ele.

- Aqui, com o Salgueiro Maia. Sou eu.

Será. A figura é a três quartos, num instantâneo desfocado.

- Fomos amigos. Amicíssimos. Um grande herói. Olha eu aqui, quando fomos esperar o Cunhal à Portela.

Digo que sim, mas é uma confusão de barbas, ora à Che, ora à Fidel, uma ou outra à Marx. Ele pega na esferográfica, aponta uma cabeça na massa de gente:

- Eu.

Ultimamente fala menos no passado. A barriga pesa-lhe, há muito rapou a barba, tem problemas com o genro, acha que a Pátria, entregue "a esta súcia" vai água abaixo.

Gosto dele, enternece-me quando acrescenta:

- E eu, nesta idade, não lhe posso deitar a mão!

 Enternece-me também porque o vejo como fiel retrato do salvador que vive em tantos de nós.