domingo, abril 24

A pressa mata

É aflição bem frequente nos que escrevem para um periódico, e distraídos, desleixados ou preguiçosos vão adiando, até que se dão conta de que o prazo de entrega não é para a semana que vem, nem logo à tarde, mas daqui a nada.

Em certa altura, apanhado numa dessas urgências e sem assunto para relatar, Eça de Queirós escreveu simplesmente sobre a morte do bei de Tunis, confessando depois que ignorava se em Tunis havia um bei, e se esse governante estava vivo ou tinha falecido.

Hoje em dia e mais do que então, pois tudo é urgente e muitas vezes se quer imediato, o último momento para entrega de um texto bem merece que lhe chamem deadline, e embora seja improvável que o atraso cause a morte do escriba, de certeza lhe desgasta o cérebro, põe em crise de nervos e afecta gravemente a tensão arterial.

No que me respeita, embora ainda nunca me tenha visto aflito a ponto de ter de fantasiar a morte de alguém, verdade é que já uma vez, a braços com a falta de assunto e o tempo a correr, deitei mão a um caso real e extraordinário de guerra entre sogra e genro, um daqueles em que não é apenas questão de ganância e avareza, mas da parte da senhora um refinado sadismo e uma duplicidade de Maquiavel.

Mudei nomes e lugares, mas a respeito do enredo pouco havia a fazer, pois se o modificasse demais perdia o interesse, deixava de ser bizarro. Finalmente, a deadline a chegar, o remédio foi deixá-lo ir para o jornal.

Seguiram-se uns meses de suspense, voltei ao ramerrão, e há muito tinha esquecido o assunto, quando uma noite o Zé Moreira telefona. O intróito é sombrio, de mau prenúncio, digo-me que dali não vai sair nada de bom, tanto mais que ele vai esticando o assunto, mas quando espero uma descompostura rebenta ele às gargalhadas:

- A santinha já lá está! Não juro que foi por ter lido aquilo teu, mas se calhar ajudou!